domingo, 28 de junho de 2009

Palavras e rádio CB

É meia-noite, meio mundo dorme, outro meio prepara-se para dormir e ainda há os que trabalham ou se levantam nesta hora de transição. Começa o novo dia.
No meu caso, preparava-me para dormir. Fui à casa de banho, fiz o que tinha a fazer, mirei as olheiras ao espelho e saí sorrateiramente em direcção à minha toca. Todavia, quando lancei reluzentemente o meu terno olhar sobre os afazeres do dia seguinte, que afinal já é hoje, passa da meia-noite, fixei-me por momentos no pc. Não resisti àquele piscar do ecrã brilhante, onde componho as palavras e os seus encadeamentos mais lógicos – às vezes ilógicos – chamados frases.
Desisti de me despojar no meu covil e eis-me aqui a matar a sapeira de um dos meus vícios, relatar vivências, iludir o disco rígido com histórias, pensamentos deveras pensados, errantes, ou simples cliques do momento, relances que circulam na aragem da minha cabeça.
Não fumo, bebo uns copos, e acorro inúmeras vezes a uma das minhas paixões. Adoro escrever. Dizem que só se adora Deus, então não vá Ele deitar sobre mim um terrível castigo, vale mais dizer GOSTO de escrever, imensamente e intensamente.
Hoje apetece-me falar da linguagem e meios de comunicação utilizados pelos camionistas, particularmente do reconhecido CB.
Desde já falamos um pouco do tipo de linguagem utilizada pelos homens da roda. A fama vem de longe e transcende as ondas de rádio do CB. Dizem por aí, um pouco por quanto é sítio, que estes homens são mal-educados, não sabem verbalizar convenientemente e são muitos os PI – como fazem na tv quando entram no ar palavrões - que se intervalam nos seus diálogos. Pois bem, de facto não posso contrapor que muitos desses homens usam palavrões a torto e a direito, uns mais outros menos. No entanto, faço uma simples e inquietante questão: não estarão estas palavras presentes nos diálogos entre trabalhadores de outras profissões e grupos sociais, dos mais distintos Status?
Na rua ouço palavrões, nos corredores da escola repetem-se vezes incontáveis, numa verdadeira sinfonia de palavras menos pomposas, nos cafés são incessantes e dominantes, nas mais variadas profissões são um código de verbalização geral. São as primeiras palavras aprendidas e assimiladas por qualquer imigrante, esteja em que parte do mundo esteja.
Afinal, perece-me de todo refutar que os camionistas são os piores. Falam ao CB e dentro de um determinado raio de distância apanham-se as conversas, boas ou más, dependendo dos emissores e do feedback dos receptores. Se pudéssemos ter acesso às conversas e mensagens de tanta gente nos telemóveis, não ficariam os mais puritanos escandalizados, com tanta verborreia de esgoto e assassínio da língua portuguesa que se faz. Era obra!
Em jeito de conclusão, não é uma conversa exclusiva de camionistas, é-o de muitos grupos sociais e profissionais.
Reportando ao CB, é um instrumento útil e por vezes faz abalar a tão dolorosa solidão que atinge os motoristas de longo curso nalguns momentos e fases do dia. Claro, ouvem-se das mais variadas prosas. Uns falam mal das empresas concorrentes, do colega que fez isto ou aquilo, dos clientes, das aventuras com os discos ou da camionete que dá 100 Km/h, …, outros, falam da vida, do regresso a casa, dos dias que faltam para o merecido descanso, dos filhos que lá têm – pelos quais trabalham-, da mulher e da namorada que amam, das comesanas e do aconchego do lar, de como vão ocupar os dois dias de descanso no lar doce lar, da situação do país, da crise, do desgoverno que nos governa, das injustiças, da escalada do desemprego, na subida da água, da electricidade, dos impostos, dos corruptos, … Afinal fala-se de tudo e encontra-se de tudo, não é uma premissa generalizável.
Para quem duvida disso proponho uma visita aos blogs que se patenteiam aqui ao lado, onde podem acompanhar as vivências na estrada, os anseios, as alegrias, as tristezas...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

http://mirincon-rosa.blogspot.com/2009/05/o-melhor-desta-profissao.html

Ontem olhei aqui para o cantinho dos seguidores do blog e para espanto meu descubri algo quase insólito: uma jovem mulher motorista e bloguista, que junto com o seu marido cruza todos os dias as estradas da Europa a bordo de um camião TIR.

Vejam aqui:
http://mirincon-rosa.blogspot.com/2009/05/o-melhor-desta-profissao.html

A poucos metros da Torre Eiffel

Já meço aos metros o tempo que não vos conto mais uma das inúmeras aventuras que passei pelos grandes domínios das estradas da Europa. Novas, senis, largas, estreitas, rectas, curvilíneas, perigosas, imponentes, com portagem ou sem portagem, constituem no seu conjunto uma malha de vias que unem os mais variados e recônditos lugares da Europa. É a rede rodoviária europeia.
A primeira vez que passei Paris, virado no sentido Lille não foi difícil porque já havia realizado esse trajecto como segundo condutor. Houve alguns pontos de referência que ficaram gravados no meu disco rígido, por isso bastou tão-só juntar as peças do puzzle.
Porém, no sentido inverso já não me posso gabar desse feito e o resultado traduziu-se em cerca de duas longas horas perdido em Paris.
Eram cerca de 22 horas portuguesas – 23 por aquelas bandas da Gália – triunfava eu ali pelos túneis do Aeroporto “Charles de Gaulle” com a certeza que tinha chegado a Paris, avizinhando-se brevemente a travessia da cidade. Tinha duas opções: A 104 - La Francilianne - ou a 86. A primeira é uma espécie de via de cintura externa, mais longa, ao passo que a segunda atravessa pelo meio de Paris, ganhando-se em tempo e distância (quando o trânsito não é muito intenso).
Não tinha GPS e restava-me como auxilio um atlas da Europa, rico em área cartografada mas como muito pouco pormenor. Todos os colegas me tinham dito que ao “descer” para Portugal deveria seguir sempre a direcção Bordeaux.
Enfim, no inicio até parecia ser fácil porque não faltava sinalização por aquelas bandas; porém, quando surgiu a indicação 104 nem pensei duas vezes e meti-me no seu encalço. Bom agora que tinha afectado esta via era só ir em frente e brevemente estaria fora de Paris, onde tinha previsto pernoitar.
Não foi assim tão simples e fácil pois não tardei apercebi-me que tinha optado pela direcção oposta da via, e, sendo assim, deslocava-me a passos largos para Versalhes. A estrada, mesmo no rosto da noite, tinha alguns encantos para a vista mas eu teria que fazer um desvio rápido antes que a coisa azeda-se. Logo que tive hipótese saí, não me apercebendo na alhada em que acabara de cair. Havia uma sucessão de rotundas que apontavam para a 86, e o Joni não fez mais nada senão encetar por essa direcção. Contudo, quando me vi a cortar bairros residenciais, quarteirões de prédios e avistei a Torre Eiffel não foram poucos os arrepios e a adrenalina que me correu pelos membros. Ainda hoje digo convictamente que a sorte foi andar por ali um camionista português a horas mais mortas, quando não seria um caso sério para sair dali.
No final das contas feitas, andei perto de duas horas às voltas dentro de Paris e só caí na realidade quando avistei a indicação para a RN 20, a apontar para Orleans.
Uma vez a circular nesta via o cansaço já me dominava de tal modo que comecei a ter alucinações. Parecia que via pessoas a atravessar a estrada e paralelamente a faixa de rodagem caiam grandes troncos de madeira. Mas o momento celestial culminou quando o pequeno terço – pendurado no pára-brisas - que a minha avó me deu se projectou, agigantando-se de uma ponta à outra da faixa de rodagem. Pensei que tinha enloquecido de vez e nunca mais seria normal.
Não aguentei mais e assim que apareceu um pequeno parque maluco paralelo à via em que seguia encostei. Não tenho lembrança de me deitar e apenas acordei já o sol se erguia à umas boas horas acima do horizonte.
Marcava dez horas da manhã no relógio digital do incansável Virgolino.