quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Esta noite a terra tremeu em Portugal

Dormia embrenhado até ao pescoço, nos cobertores peludos e quentinhos, quando acordei em sobressalto pelo tremelicar estridente dos pratos e dos copos da cozinha e um notável abanar da minha cama.
Primeiro ainda me veio à ideia que era um pesadelo e uma alma penada com algo contra a minha pessoa lançava a sua fúria embalando a minha cama quentinha. Contudo, lá fora e no interior no prédio, os cães ladravam gravemente e as pessoas entravam em alvoroço, havendo até quem saisse para a rua protegido pelo seu pijama colorido com ursinhos e outras coisas fofas.
Durou mais ou menos dois minutos numa escala de seis de intensidade de Richter. Supostamente já seria suficiente para causar danos bem visíveis, mas tudo o que abanou permaneceu tal e qual como estava antes.
Que seja sempre assim.

sábado, 28 de novembro de 2009

Os últimos cavadores de Terra

Os últimos cavadores de terra

Reporto hoje a minha memória para os cavadores de terra, que de enxada em punho volvem metros de terra como um feroz leão devora astuciosamente a carne tenra das pobres presas.
Assim passavam a sua vida dias a fio: enxada acima do cocuruto da cabeça e depois com toda a força dos seus trabalhados músculos para baixo, arrancando para trás, torrão a torrão, a terra para as sementeiras.
Afamados pela sua bravura no trabalho eram chamados por muita gente que, ou já não podia devido às maleitas da velhice, ou tinha falta de tempo por outros afazeres. Trabalhavam com poucas paragens, de sol a sol e debaixo de chuva, ostentando nesta ocorrência uma saca de serapilheira sobre as costas. Não evitava que ficassem encharcados pela chuva tocada a vento.
Era de lei, que à frente de cada raspão de terra figurasse um garrafão de vinho com um copo no gargalo e ao meio-dia o tacho estivesse bem recheado sobre o pano de cozinha com ornamentos do galo de Barcelos.
Estes dias, na minha aldeia, cerrou os olhos para o mundo um dos últimos cavadores de terra que conheci – que Deus o acolha junto de si pela sua infinita bondade. Era eu um rapaz de metro e meio, pouco largo de costas, ainda frequentava a primária, tive o prazer de conhecer o senhor João Rafael, fazendo par com ele na cava da terra para uma courela de batatas do meu pai. Como é natural não conseguia acompanhar o cavador naquela empreitada, no entanto o meu orgulho era do tamanho da vontade e desfazia-me em pedaços para não me atrasar muito, apesar de ainda mal poder com a pesada enxada que o meu avô me tinha feito na forja, que na altura ainda funcionava a fole.
Homem atarracado mas de peito bem desenhado e braços grossos era também escorreito nas acções e nas palavras. Daí a sua fama de sisudo, mas boa pessoa.
Morreu um dos últimos cavadores de enxada.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Um texto fenomenal de um amigo camionista

Apreciem, é magnífico, artístico, um domínio de palavras único.
Fonte: http://acaminete07.blogspot.com/2009/11/dias-de-escuro.html

"Descalço...sinto-me descalço. Sem sandalita enfrento por agora os dias cinzentos e frios descalço. E é impossível não estar triste, impossível não sentir uma forte estrutura ruir. Um homem perdido numa cabine...está vazia, segue vazio o homem que vos escreve.
Mas prometo não falar de amor. Só me apetece sentir,não me apetece partilhar estas coisas de que também sofro.
Tenho mudado os meus próprios horários. Assisto agora ao nascer do dia já depois de testemunhar o fim da noite, do escuro e das estrelas. Os dias de Inverno alteram as minhas rotinas instaladas. Por norma acordo ás 3 ou 4, no exterior entre o frio granitico e o côro de aquecimentos de parque dos camiões ainda dança o vento com tudo que lhe atravessa o caminho e paro ás 14 ou 15, ainda a tempo de arranjar estacionamento com relativa facilidade e de ter luz natural para cozinhar. Prefiro assim...detesto cozinhar ás escuras. Sempre tive a impressão que o frio se aliou á noite. Não há luz, há frio. Andar assim cedo permite-me fazer 3 horas ou mais de conduçao antes de dormir quando a luz do sol começa a vencer a escuridão deixada pelo rasto da noite. Aí paro, preferencialmente de forma a ver o sol nascer e se os olhos não aguentarem ver esse momento que tanto mexe comigo, então durmo uns minutos. Nunca lembro um único dia em que tivesse amanhecido mal disposto com alguém do mundo. Agora entre uma passa, pareço recordar o momento em senti que o momento em que o sol se ergue é tão importante em mim. Em Angola, em Huambo, no acampamento das nossas tropas ao serviço da Onu, havia um posto de segurança (guarita para quem foi á tropa e também para muitos que não foram) que estava voltado para o aeroporto da grande cidade do planalto central. Um dia assisti dali ao nascer do dia...não lembro de nada mais a não ser a paz, o silêncio sossegado que me acompanhou nesse momento. Ausentei-me de mim, deixando ali um corpo a segurar um arma...eu estava ali mas não estava, amanhecia ali com o dia. Desde aí procuro assistir ao romper de cada dia.
Trabalhar mais cedo tambem permite parar mais cedo, claro que é com mais facilidade que encontro o lugar ideal para parar a xaleca, minha única companheira, e poder, já depois de uma refeiçao quente, assistir ao fim da luz, á invasão visual do frio. E adoro estar assim...a assistir ás rajadas de vento, ao frio cortante que dança entre a gente que caminha na rua, á chuva riscada em diagonais tocadas a vento porque no fundo, assisto sem lhe tocar porque o prazer está em assitir a este quadro de implacável frio, comodamente sentado no conforto quentinho que a xaleca me reserva. E quando há nevões até arrepio de tanta paz...é bom, estar de calções e t-shirt a ler um livro ou a fazer qualquer outra coisa enquanto do outro lado da vidraça está o Inverno, a insinuar-se e a manter a sua força da tradição. É do melhor, acreditem.
E já não assisto ao império negro que a noite impõe, já não sinto o colega que chegou e parou ali mesmo ao lado porque adormeço cedo...é a dança das horas e a dança dos dias de luz que passam depressa dando á noite o espaço que ela bem entende ter para nos dormir...para nos calar o pensamento."

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

20 anos depois



Vinte anos após a queda do grande muro de betão de Berlim recordo-me vagamente de como vi esse acontecimeto. Era gaiato mas o meu pai tinha-me explicado que havia um muro que dividia uma cidade da Alemanha, chamada Berlim, em duas partes, duas ideologias, duas vidas.
Lembro-me das pessoas a passarem de um lado para o outro e abraçarem-se comovidos pelos anos de distância, famílias que tinham sido forçadas à separação e que se encontravam novamente passado tanto tempo.
Mais tarde lembro-me de ver os Pink Floyd a provocarem simbolicamente a queda do muro de Berlim, entre estridentes acordes de guitarra e as duras pancadas secas das percursões.
Hoje pergunto-me se o mundo não se encontra ainda dividido, afinal há pobres e ricos há bons e maus, capitalistas e comunistas.

sábado, 7 de novembro de 2009

O caso das insólitas botas de pescador

Aproveitando o raior do sol hoje fui à praia passear, deixando por lá o testemunho das minhas pegadas número 41 que o vento e a água se encarregarão de apagar rasto. Ficam no entanto enraizadas na minha cabeça algumas imagens insólitas que só o correr do tempo e a chochice na velhice fará desaparecer.
Não foi o mar que me ficou na retina, os montes de esqueletos dos bivalves, as estrelas do mar secas, nem tão-só as gaivotas de tenra idade que chilreavam rasando estrondosas sobre a capa da água que hoje se encontrava acalmada pela ausência do vento. Algo, porém impulsionou em mim alguma saudade da minha aldeia e dos tempos antigos. Um par botas de pescador altas até ao joelho.
Nem mais nem menos, foi esse o rastilho responsável pela detonação da espoleta.
Lembrou-me que as primeiras botas do género que vi foi na minha aldeia por volta dos meus saudosos 10 anos. Alguém que vivia a beira do mar ofereceu essas esquisitas botas ao meu tio Zé Mendes. O impoacte foi tão grande como hoje alguém aparecer no largo da ponte de Ferrari.
Na aldeia, toda a gente, inocentemente, comentava que o Zé Mendes tinha umas botas de cano até ao cimo das pernas quase a roçarem as virilhas. Ele é um homem muito alto, daí a alcunha Zé grande.
Foi tanto o falatório que já havia quem insinuasse aos ouvidos do vizinho que tal objecto era proibido e pedia-se a Deus que os guitas não passassem pela aldeia e apanhassem o homem com o raio das botas enfiadas pernas acima.
Aí se o apanham, que vai ser dele – corriam as palavras pelos ventos mais frios desde a Malhada Urraca até ao Casal de Cima.
Eram tempos inocentes e a crença no respeito imperava nas aldeias recônditas na Serra da Estrela onde umas simples botas de pescador podiam gerar o boato da semana. Vivíamos no rural profundo, rodeados por pinheiros, castanheiros e extensos campos de socalcos, alguns largamente amplos outros mais esguios.
Havia um homem que por vezes me confrontava com a ida à lua, pois se o Homem já lá tivesse posto os pés todos os capitalistas já teriam lá ido também – confidenciava.
O ti Zé Grande tem hoje 84 anos e ainda tem as botas penduradas na adega, mas a GNR nunca apareceu a perguntar por elas.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Este fim-de-semana alguém me confidenciou da existência de professores portugueses a ensinar os meninos ingleses.

Pelo inicio do ano soube que faltavam milhares de professores nos lugares das escolas inglesas, a praticamente todas as disciplinas. O critério essencial resumia-se a dominar muito bem a língua inglesa e possuir licenciatura adequada. Mas…a que raio se deve esta falta de professores num país onde tanta gente estuda e se considera um exemplo de país desenvolvido.
A verdade é que os naturais de terra de sua majestade à muito que fogem a sete pés do ensino e uma parte importante dos que lá estavam desertou. As escolas ficaram um caos e já ninguém tinha mãos nos alunos, mal-educados e demasiado protegidos pelo sistema geraram verdadeiros focos de problemas pelas escolas do país.
Entretanto, os professores vieram da Índia e de outros países dessas redondezas, aproveitando os lugares deixados vagos pelos que partiram em debandada.
Esperemos mais uns anos e em Portugal acontecerá o mesmo, aliás, como disse o Senhor Doutor Jorge Pedreira, quando não houver portugueses vai-se ao Brasil e arranja-se lá uma carrada deles.

domingo, 1 de novembro de 2009

O país dos pobres

Um destes dias numa pesquisa rotineira sobre os números da pobreza em portugal dei de caras com o que à partida já todos sabemos e infelizmente nos habituámos a ouvir – vivemos no país onde o fosso entre ricos e pobres é mais fundo.
São muitos os pobres e poucos os ricos, mas esses ricos concentram uma riqueza insuperável e inatingível – quase a anos luz – por todos os pobres juntos. Dois milhões vivem com menos de sessenta por cento do ordenado médio em Portugal, que ronda os seiscentos e trinta euros. Sendo assim, 20% dos portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza. A ver bem, como é possível que alguém consiga governar a sua vida com mísera quantia? Cerca de 150 euros gasto eu em combustível para me deslocar diariamente para o trabalho.
Contudo, surgiu-me depois outra informação algo contraditória quee nessa noite de insónia me consumiu pensamentos, contra pensamentos, raciocínios lógicos e teorias quão tristes como mirabolantes.
Uma grande fatia do rendimento de inserção é canalizada para uma faixa etária abaixo de vinte anos. Os idosos que trabalharam a vida toda com sacríficio, louvor pelo trabalho e honestidade vêm chegar à sua caixa de correio um cheque que não raras vezes gastam na primeira ida que fazem a farmácia do canto ou da avenida.
A esperança média de vida (número médio de anos que se espera viver à nascença) em Portugal é cada vez mais elevada em Portugal, no entanto essa face do desenvolvimento envolve verbas elevadas em intalações e apoios à terceira idade, porque com o avanço irreversivel da idade a luta pela vida é cada vez mais feroz. As maleitas vêm e os medicamentos custam pequenas grandes fortunas.
Os chamados velhos-novos (velhos para trabalhar novos para a reforma) depois de anos a lutar pelos chorudos lucros dos seus patrões são postos na rua com uma mão à frente outra atrás e olham para o futuro de forma sombria. As casas precisam de ser saldadas ao banco – que nada em dinheiro - e os filhos ainda pedem pão à mesa.
Todavia, o problema está nos jovens, grande parte abaixo dos 20 anos que recebem a grande fatia do bolo dos rendimentos mínimos e de inserção social. Pergunto-me do porquê e a resposta não consegue aflorar pelos pequenos impulsos nervosos à superfície da minha massa cinzenta. E decerto nesta franja não estão incluídos os que procuram trabalho com humildade e dispostos a baixar a fasquia posta em alta nos seus sonhos mais antigos e alegres. Porque esses não têm direitos a esses apoios. Desenrasquem-se.
São muitos destes jovens que a sociedade e a escola portuguesa está a criar. Não há dinheiro para os bens básicos mas há com fartura para comprar uma Play Station nova ou o ultimo modelo de telemóvel que foi lançado. Queixam-se que não têm as mesmas oportunidades dos outros mas não aceitam qualquer trabalho. São fidalgos. É tão bom passar o dia no café onde se toma o pequeno-almoço, e bebe cerveja de manhã à noite a ver os outros sairem e entrarem em casa cansados da luta diária.
Revolta-me isto, para não dizer enoja-me. Vivem às nossas custas e ainda gozam com que trabalha honestamente.
Eu já fiquei desempregado algumas vezes e fui obrigado a volver mundos e fundos para trabalhar, aceitando o que me surgiu sem negar a oportunidade.
Estamos a criar uma sociedade subsido dependente para estes jovens.
Faz-me lembrar a França, onde se amontoam bairros insalubres, a droga domina e os gangs impoem a sua autoridade sobre a polícia. Isto acerca de uma reportagem que vi no bairro Les Bousquets nos arredores da cidade Luz que se mostra ao mundo brilhante e luxuriosa.
Calças ao fundo do cu, fones ao ouvido e capuz na cabeça avisavam que “despachavam “ quem caminhasse no seu território sem o seu nobre consentimento. Mostravam ao mundo orgulhosos as caves manchadas de sangue das vítimas indefesas.
Defendiam hipócritamente que viviam assim porque a sociedade não lhes dava oportunidade. Ou será que não procuram e nem lhes interessa!?
Apetece-me dizer: libertem a raiva no trabalho que decerto a obra fica com telhado num ar que se lhe deu.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Não me esqueçi...por cá continuo

Passou um ano e poucos dias que deixei para trás uma vida vivida pelos muitos quilómetros das estradas da Europa. Visitei alguns ilústres países mas infelismente não tive oportunidade de passar as rodas do Virgolino e os pés pela terra de outros tantos: Suiça, Suécia, Polónia, Austria... entre muitos outros.
Foi assim que percorri e conheci sitios que nunca teria réstia de hipótese de observar in loco senão pelo pára-brisas do meu camião, a que dei o nome de Virgolino. Aliás, passaram-me pelas mãos dois mas pela relação que tinha com eles adoptei o mesmo nome para ambos: Virgolino.
Escrevi muito e relatei acontecimentos, alguns não publicados, mas na minha cabeça fervilha uma ideia antiga de os reunir a todos e compilar numa espécie de livro de bordo. É um caso a pensar seriamente...
Muita gente me tem aqui visitado e para aqueles que não são camionistas espero que mudem a sua opinião em relação à maior parte da malta da roda, porque ainda há por lá quem só o seja de nome. Mas onde não há, conhecem alguma profissão que não tenha maus profissionais?
Os que o são – camionistas - certamente compreenderam as minhas palavras e os sentimentos transmitidos nos vários textos que escrevi.
Prometo que não vou deixar de escrever, porque há muitas histórias que ainda não contei, mas desafio outros a relatarem a suas vivências à semelhança de alguns blogs que frequento e que podem conhecer se olharem aqui ao lado.
Enfim, até para fazer amigos este blog já serviu, por isso vamos a escrever.
Deixo-vos o repto de me visitarem quando viajarem rumo ao Sul, digam qualquer coisa...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

De volta

Sejas bem aparecido! – Dirão com certeza depois destes alongados dias de ausência por estas bandas.

Têm completa razão mas a minha vida nos últimos tempos tem sido castigada por um turbilhão de afazeres.

Em primeira mão quero que saibam que fiquei colocado pelos reinos dos Al garbes, em plena capital da região, de novo afeiçoado pelas densas brumas e frescas borrascas libertadas pelo casamento do mar Mediterrâneo com o atrevido Atlântico.

Foram tempos de grandes agitações. Mudei de escola, deixando por lá alguma saudade. Voltei ao Básico, às idades da confusão, da agitação, das hormonas exaltadas. Talvez não seja outra vez o grande transmissor de conhecimentos que fui o ano anterior nem o amigo próximo para os alunos, mas decerto, serei como sempre fui, uma tentativa de exemplo moral e cívico, um homem que promove bons valores e ideias.

Tenho oito turmas e sou Director de Turma, pressupondo, por isso, um mergulho em grandes profundidades oceânicas de papéis, medidas correctivas, provas de recuperação, relatórios…., aliás avaliam-me mais tendo em conta essas profícuas realizações que por ser um grande professor, um transmissor de conhecimentos e atitudes cívicas e morais.

Seja como for uma coisa nunca me faltou: coragem.

Agora virando o leme para outro assunto, sabem que estou bronzeado, a pele apresenta uma indefinição entre um castanho desmaiado e simultaneamente ofuscante de brilho. Passei as férias no Algarve mas os dias mais agitados passaram-se em pela Serra da Estrela na aldeia de Corgas, a minha santa terra. Já que o ano passado não tive férias foi o aproveitar máximo do sol, da piscina, das minis, da companhia, dos amigos da família. Agora todos deram para implicar com a minha barriga, ou porque está redonda, ou porque pareço um abade – que me perdoem mas costumam ser rechonchudos – enfim já serve de pretexto para todos os gozos. Até já me envergonharam pois nem nos camiões era tão forte. È a vida de Professor que não me deixa tempo para umas corridas, uns passeios de bicicleta ou uma futebolada. Não gosto de ginásios.

Por falar em camiões, ando com uma sapeira de pegar num bicho que nem imaginam. Ser o rei da estrada, arrancar e sentir o som do engrenar de tantas velocidades para cima e para baixo, agradecer o bater de luzes nas ultrapassagens…

Já agora para essa malta da roda que ando por essa Europa fora, vejam lá se dizem qualquer coisa quando passarem aqui pelo sul.

Abraço para todos

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A saga das coimas convertidas em dias de férias

Finalmente compreendi a cruzada inflexível das forças de segurança portuguesas pela busca incessante da coima fácil. Digo fácil, porque algumas são necessárias e devem ser justamente aplicadas, ao contrário daquelas que são insensatas e fruto de mau âmago dos operantes e principalmente de quem têm o cú bem assente e acomodado na fofa cadeirona almofadada da secretária.
Isto tem tudo a ver com objectivos!
Tudo se passa da seguinte maneira: quanto mais coimas forem aplicadas pelos guitas mais dias de férias acrescentam e gozam. Eles dizem que os elementos destas forças são premiados pelo extremo zelo no cumprimento do seu dever e eu digo que são meritados pelo excesso de zelo.
Não queria atear mais o fogo mas a história real que tenho para vos contar é tanto hilariante como de descomedida intenção e acção de dedicação.
Um senhor aqui perto da minha aldeia tinha o sonho de criar um museu, onde ao longo de anos de intensa pesquisa e busca incansável reuniu uma panóplia de artefactos representativos dos nossos modos de vida – especialmente dos afazeres da lavoura, da resina, das artes e ofícios características da serra –, entre os quais se encontravam meia dúzia de mosquetes utilizados pelos nossos antepassados durante a caça. Eis aqui o objecto desta crónica: os mosquetes.
Trata-se de armas de fogo bastante remotas, constituidas por um fuzil capaz de projectar pequenas bolas de chumbo, através da explosão da pólvora doseadamente inserida pelo cano abaixo.
Para espanto de toda a gente, um dia qualquer, não sei se fazendo sol se chovendo, batem na porta os militares da guarda para retirarem essas peças do bem aperaltado museu. Não sabendo por obra de quem eles tomaram conhecimento, ficou na retina a sua acção, zelosa, donde talvez resultaria motivo de superior enaltecimento ao seu louvável trabalho, porque desarmaram numa missão excessivamente arriscada um pouco da riqueza daquele local de cultura, relembradando vivências e saberes doutras épocas.
São armas remotas que não causariam mal qualquer a uma pessoa, pois nem tão-só estavam em condiçõs disso. Encontravam-se com ar velho e ferrujento e só postavam ali como artefacto antigo para o visitante gozar com a vista. Quiçá noutros tempos teriam sido uteís em conquistas ou até maléficos ententes. As armas que ferem e matam desalmadamente a sangue frio, essas estão por vezes em mãos criminosas de má intenção. Estão escondidas, operacionais e podem fazer mal.
É assim que ajem por aqui.
Perdem mérito, respeito mas ganham férias.

domingo, 2 de agosto de 2009

Eles andem aí

Anda tudo com os azeites cá pela minha santa e frondosa aldeia. A GNR - aqueles senhores e senhoras mal-humorados, resmungões e de poucas falas – decidiram deixar a cidade e as estradas mais movimentadas e investir no campo, onde a pacatez das sua gentes em aliança a alguma ignorância conduzem à coima fácil.
Fiquei estupefacto com os sentimentos anti GNR, havendo já quem fale em perseguição e mau íntimo das operações encetadas. Tudo cozinhado conduziu a esta ideia um pouco incaracterística neste povo que conheço faz trinta e um anos: “eles não nos protegem, nem é a pela nossa segurança que trabalham, querem é dinheiro fácil de quem é honesto e trabalha".
Até ao ano passado eu não partilhava desta ideia, mas pelo que vi enquanto viajei pelas estradas de Portugal e da Velha Europa fui obrigado a pensar dessa maneira.
Deslocando-me agora da minha aldeia, estendo-me ao palco dos milhões de quilómetros do asfalto europeu: uma certa vez procurava um cliente em Espanha perto de Barcelona e quando vi um carro patrulha dos Mossos de Esquadra, assinalei a minha intenção de imobilizar o Virgolino em segurança para me dirigir a eles; cumprimentei-os e com a morada escrita num pedaço de papel onde havia rabiscado já um esboço do trajecto, perguntei-lhes com elevada educação se podiam indicar-me onde ficava. Pois bem, viraram-me má cara e ainda recalcaram que o procurasse eu, pois não tinham nada a ver e, como se não basta-se, pediram-me os discos e todos os documentos e ainda passaram revista ao tractor e semi-reboque.
Estava tudo conforme os cânones da lei, atiraram-me com os discos para a mão, grazinaram e deixaram-me ali plantado como um penhasco. Ainda fiquei estupefacto durante uns segundos e posto isto fui à minha vida. Outras situações muito semelhantes acabei por vivenciar e só na Alemanha, em Sinzig, a uns quilómetros de Bona, tenho boas memórias da polícia.
Voltando à minha aldeia não se fala por agora de outro assunto. Escondem-se atrás das árvores da berma da estrada para fiscalizar quem saí dos campos agrícolas, mandam parar todos os tractocarros, às cinco da manhã já estão à cola de quem madruga para o trabalho, fazem esperas junto dos cafés, ao mesmo tempo que se roubam igrejas, bens e propriedades, e não se vêm acções conclusivas.
É óbvio que não ganham dinheiro com isso, e, desta forma, o povo conclui que mesmo quando se age em conformidade com a lei, não o fazem porque se está a cumprir a regra, mas sobretudo porque dá dinheiro, esse é o que os move e é o fruto desse trabalho que apresentam aos seus superiores. Ou seja, não aplicam uma coima a alguém porque trás um passageiro no tractocarro e pode tornar-se perigoso para essa pessoa, mas sim porque esse facto é passível de encher os cofres, não pensando sequer na segurança ou não do passageiro.
Nesses meios tudo gira assim e daí que estas gentes começam a sentir os exageros e actos de má fé, questionando-se o respeito que até à pouco tempo se tinha pelo trabalho desses senhores. Talvez se houvesse preocupação com o que realmente interessa a sinistralidade rodoviária poderia diminuir e as pessoas se sentissem mais seguras.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Elas aí estão

Não via a hora, mas elas foram-se aproximando entre o meu cansaço invencível e o raiar do sol e das elevadas temperaturas. São as merecidas férias depois de dois anos de trabalho.
Estou de férias e para não variar vou para a Serra da Estrela, ver a minha querida aldeia e suas – e minhas – gentes. Gentes do campo, do trabalho árduo da lavoura, gente simples e hospitaleira. Ainda se bebe vinho tradicional na minha aldeia, come-se a broa de milho cozida em fornos de tijolo burro, assam-se as sardinhas frescas e provam-se as batatas novas. O ar é puro e a verdura e o colorido das flores selvagens pinta um quadro idílico que alegra a vista, a água corre agora pouco solta e só em terrenos mais íngremes se lança em velocidades furiosas. Mesmo assim lá vai serpenteando no seu incansável ciclo pelas cabeceiras até se despenhar violentamente no seio do seu senhor: rio Alva. Ali se entrelaçam num casamento perfeito.
Penso que quem de vós não teve a fortuna de nascer numa aldeia, seja da beira, do Alentejo, de Trás-os-Montes, do litoral Centro e Norte ou do teclado de serras do Minho, não sentirá nalguns retalhos de momentos falta e saudades da terra que viu crescer e deu abrigo aos seus filhos.
Muitas vezes ainda sonho com as aventuras na ribeira de águas cristalinas onde aprendi a dar as primeiras braçadas e para onde fugia aos domingos na hora da missa – que Deus me perdoe – ou daquela ocasião que todos os rapazes abalaram do recreio da escola em direcção ao monte só para brincar às escondidas. Só não me quero lembrar das reguadas que levamos ao outro dia. Ainda rezávamos todos os dias na escola e a professora tornara-se uma referência de sabedoria amizade e respeito para o resto da vida. Era amiga todos os dias e dura quando assim era necessário. Não foi por isso que ficamos traumatizados ou que não aprendemos matemática, língua portuguesa ou meio físico, a minha disciplina preferida.
Conhecia todos os caminhos da minha terrinha da mesma forma que sabia as árvores onde os melros e o resto da passarada faziam o ninho. Na Primavera acordava com o chilrear dos pássaros que percorriam as árvores que ladeavam a minha casa. Hoje em dia vêem-se arrepiantemente poucos!
No final da escola, que terminava às quinze horas, íamos tratar das cabras e das ovelhas de cada um, dava tempo de sobra para brincar e para fazer os deveres com paciência.
Enfim, estou de férias e vou revisitar a minha aldeia onde os mais pequenos ainda brincam nas ruas e os mais velhos descansam nas sombras frescas das praças e jardins.

domingo, 19 de julho de 2009

Faz tempo...

Pois é, tenho andado atormentado com vários assuntos. Primeiro foram as avaliações finais dos cursos profissionais que só terminaram completamente à uma semana atrás, depois recebi uma convocatória para passar a minha bic vermelha sobre a tinta escorrida em palavras azuis dos exames nacionais do ensino secundário.
Ora, logo aqui surgiu-me uma tema tão pertinente nos tempos que correm que não consigo deixar de vos pôr a par. Uma das questões do exame continha já uma boa dose de campanha eleitoral, tanto assim que pedia a quem estava à prova para apresentar duas consequências positivas da construção do aeroporto na “margem sul” de Lisboa. Ou seja, nem há hipótese de confrontação ou debate de ideias, ou indicas duas consequências positivas ou a bic castradora de palavras teria que desenhar um esboço de um círculo impreciso de O valores de cotação na margem direita.
Nunca pensei que a campanha eleitoral de um partido descesse tão baixo e instrumentaliza-se o futuro de tanta boa gente. No mesmo grupo, inexplicavelmente, pede-se que analisem uma imagem supostamente representativa de campos agrícolas em forma de círculos que, pelos vistos, só um mago ou vidente consegue alcançar os itens pretendidos na resposta. È precisa uma imaginação sobremaneira fértil para chegar as conclusões pretendidas.
Mais uma vez a minha massa cinzenta não encaixa factos para tanta gente simples. Afinal porque não são os exames concebidos por professores que labutam diariamente no terreno, ao invés de o serem por gente afastada da realidade, do campo de batalha.
Diga-me quem tenha resposta porque razões existem professores - há muitos chamados titulares que sempre escolheram as as suas turmas e não fizam a mínima ideia do que é lidar com determinadas turmas e diz o ministério que servem para fazer valera sua experiência junto dos mais novos - que nunca leccionaram a turmas complicadas com meninos tão queridos e inocentes, não raras vezes maiores de idade e conscientes do que fazem. Afinal por que carga de água se concluiu que toda a gente tem que estudar. Donde surgiu a ideia de dar de mãos beijadas um diploma a alguém que em três meses concluí o nono ano de escolaridade ou o décimo segundo num ano. De que valem as estatísticas quando na prática grassa o facilitismo, a falta de carácter e frontalidade e a iliteracia.
Assim tenho passado o meu tempo, porque contrariamente ao que muita gente diz não tenho três meses de férias, tenho apenas vinte e dois dias e confesso que não consigo ver mais papéis e relatórios a minha frente.
Estou capaz de encher um ecoponto azul com tanta árvore destruída para tão infame fim. A tecnologia é tão avançada mas continuamos a derrubar a floresta indefesa para fazer papel, por vezes tão dispensável. Ainda por cima é tão duro que nem para limpar o rabo é adequado.

domingo, 28 de junho de 2009

Palavras e rádio CB

É meia-noite, meio mundo dorme, outro meio prepara-se para dormir e ainda há os que trabalham ou se levantam nesta hora de transição. Começa o novo dia.
No meu caso, preparava-me para dormir. Fui à casa de banho, fiz o que tinha a fazer, mirei as olheiras ao espelho e saí sorrateiramente em direcção à minha toca. Todavia, quando lancei reluzentemente o meu terno olhar sobre os afazeres do dia seguinte, que afinal já é hoje, passa da meia-noite, fixei-me por momentos no pc. Não resisti àquele piscar do ecrã brilhante, onde componho as palavras e os seus encadeamentos mais lógicos – às vezes ilógicos – chamados frases.
Desisti de me despojar no meu covil e eis-me aqui a matar a sapeira de um dos meus vícios, relatar vivências, iludir o disco rígido com histórias, pensamentos deveras pensados, errantes, ou simples cliques do momento, relances que circulam na aragem da minha cabeça.
Não fumo, bebo uns copos, e acorro inúmeras vezes a uma das minhas paixões. Adoro escrever. Dizem que só se adora Deus, então não vá Ele deitar sobre mim um terrível castigo, vale mais dizer GOSTO de escrever, imensamente e intensamente.
Hoje apetece-me falar da linguagem e meios de comunicação utilizados pelos camionistas, particularmente do reconhecido CB.
Desde já falamos um pouco do tipo de linguagem utilizada pelos homens da roda. A fama vem de longe e transcende as ondas de rádio do CB. Dizem por aí, um pouco por quanto é sítio, que estes homens são mal-educados, não sabem verbalizar convenientemente e são muitos os PI – como fazem na tv quando entram no ar palavrões - que se intervalam nos seus diálogos. Pois bem, de facto não posso contrapor que muitos desses homens usam palavrões a torto e a direito, uns mais outros menos. No entanto, faço uma simples e inquietante questão: não estarão estas palavras presentes nos diálogos entre trabalhadores de outras profissões e grupos sociais, dos mais distintos Status?
Na rua ouço palavrões, nos corredores da escola repetem-se vezes incontáveis, numa verdadeira sinfonia de palavras menos pomposas, nos cafés são incessantes e dominantes, nas mais variadas profissões são um código de verbalização geral. São as primeiras palavras aprendidas e assimiladas por qualquer imigrante, esteja em que parte do mundo esteja.
Afinal, perece-me de todo refutar que os camionistas são os piores. Falam ao CB e dentro de um determinado raio de distância apanham-se as conversas, boas ou más, dependendo dos emissores e do feedback dos receptores. Se pudéssemos ter acesso às conversas e mensagens de tanta gente nos telemóveis, não ficariam os mais puritanos escandalizados, com tanta verborreia de esgoto e assassínio da língua portuguesa que se faz. Era obra!
Em jeito de conclusão, não é uma conversa exclusiva de camionistas, é-o de muitos grupos sociais e profissionais.
Reportando ao CB, é um instrumento útil e por vezes faz abalar a tão dolorosa solidão que atinge os motoristas de longo curso nalguns momentos e fases do dia. Claro, ouvem-se das mais variadas prosas. Uns falam mal das empresas concorrentes, do colega que fez isto ou aquilo, dos clientes, das aventuras com os discos ou da camionete que dá 100 Km/h, …, outros, falam da vida, do regresso a casa, dos dias que faltam para o merecido descanso, dos filhos que lá têm – pelos quais trabalham-, da mulher e da namorada que amam, das comesanas e do aconchego do lar, de como vão ocupar os dois dias de descanso no lar doce lar, da situação do país, da crise, do desgoverno que nos governa, das injustiças, da escalada do desemprego, na subida da água, da electricidade, dos impostos, dos corruptos, … Afinal fala-se de tudo e encontra-se de tudo, não é uma premissa generalizável.
Para quem duvida disso proponho uma visita aos blogs que se patenteiam aqui ao lado, onde podem acompanhar as vivências na estrada, os anseios, as alegrias, as tristezas...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

http://mirincon-rosa.blogspot.com/2009/05/o-melhor-desta-profissao.html

Ontem olhei aqui para o cantinho dos seguidores do blog e para espanto meu descubri algo quase insólito: uma jovem mulher motorista e bloguista, que junto com o seu marido cruza todos os dias as estradas da Europa a bordo de um camião TIR.

Vejam aqui:
http://mirincon-rosa.blogspot.com/2009/05/o-melhor-desta-profissao.html

A poucos metros da Torre Eiffel

Já meço aos metros o tempo que não vos conto mais uma das inúmeras aventuras que passei pelos grandes domínios das estradas da Europa. Novas, senis, largas, estreitas, rectas, curvilíneas, perigosas, imponentes, com portagem ou sem portagem, constituem no seu conjunto uma malha de vias que unem os mais variados e recônditos lugares da Europa. É a rede rodoviária europeia.
A primeira vez que passei Paris, virado no sentido Lille não foi difícil porque já havia realizado esse trajecto como segundo condutor. Houve alguns pontos de referência que ficaram gravados no meu disco rígido, por isso bastou tão-só juntar as peças do puzzle.
Porém, no sentido inverso já não me posso gabar desse feito e o resultado traduziu-se em cerca de duas longas horas perdido em Paris.
Eram cerca de 22 horas portuguesas – 23 por aquelas bandas da Gália – triunfava eu ali pelos túneis do Aeroporto “Charles de Gaulle” com a certeza que tinha chegado a Paris, avizinhando-se brevemente a travessia da cidade. Tinha duas opções: A 104 - La Francilianne - ou a 86. A primeira é uma espécie de via de cintura externa, mais longa, ao passo que a segunda atravessa pelo meio de Paris, ganhando-se em tempo e distância (quando o trânsito não é muito intenso).
Não tinha GPS e restava-me como auxilio um atlas da Europa, rico em área cartografada mas como muito pouco pormenor. Todos os colegas me tinham dito que ao “descer” para Portugal deveria seguir sempre a direcção Bordeaux.
Enfim, no inicio até parecia ser fácil porque não faltava sinalização por aquelas bandas; porém, quando surgiu a indicação 104 nem pensei duas vezes e meti-me no seu encalço. Bom agora que tinha afectado esta via era só ir em frente e brevemente estaria fora de Paris, onde tinha previsto pernoitar.
Não foi assim tão simples e fácil pois não tardei apercebi-me que tinha optado pela direcção oposta da via, e, sendo assim, deslocava-me a passos largos para Versalhes. A estrada, mesmo no rosto da noite, tinha alguns encantos para a vista mas eu teria que fazer um desvio rápido antes que a coisa azeda-se. Logo que tive hipótese saí, não me apercebendo na alhada em que acabara de cair. Havia uma sucessão de rotundas que apontavam para a 86, e o Joni não fez mais nada senão encetar por essa direcção. Contudo, quando me vi a cortar bairros residenciais, quarteirões de prédios e avistei a Torre Eiffel não foram poucos os arrepios e a adrenalina que me correu pelos membros. Ainda hoje digo convictamente que a sorte foi andar por ali um camionista português a horas mais mortas, quando não seria um caso sério para sair dali.
No final das contas feitas, andei perto de duas horas às voltas dentro de Paris e só caí na realidade quando avistei a indicação para a RN 20, a apontar para Orleans.
Uma vez a circular nesta via o cansaço já me dominava de tal modo que comecei a ter alucinações. Parecia que via pessoas a atravessar a estrada e paralelamente a faixa de rodagem caiam grandes troncos de madeira. Mas o momento celestial culminou quando o pequeno terço – pendurado no pára-brisas - que a minha avó me deu se projectou, agigantando-se de uma ponta à outra da faixa de rodagem. Pensei que tinha enloquecido de vez e nunca mais seria normal.
Não aguentei mais e assim que apareceu um pequeno parque maluco paralelo à via em que seguia encostei. Não tenho lembrança de me deitar e apenas acordei já o sol se erguia à umas boas horas acima do horizonte.
Marcava dez horas da manhã no relógio digital do incansável Virgolino.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Congestionado

Eis-me aqui depois de uma relativa ausência. Não tenho tempo nem para me coçar, daí que a minha frequência por estas bandas esteja fraca de sinal.
Estou por aqui para vos dizer que a meu lado tenho cerca de 60 testes, alguns com seis páginas à espera que estes olhos os percorram com soberba seriedade, e sobre o papel branco escorra tinta vermelha da minha inseparável bic (as mais comuns e baratas, visto que sou um professor contratado auferindo um salário miserável e muito trabalho às costas) para medir os resultados do meu trabalho e, em igual medida, o resultado do esforço e dedicação dos alunos (cada vez menos). Mais ao lado, no interior de um largo e mastigado saco branco estão empilhados como um baralho de cartas mais uma manada de 60 trabalhos escritos, alguns originais, outros modestios pelágios ao alcanse de um clic. Cá estou para os separar e distinguir com mérito ou nem por isso.
Tenho dormido umas apressadas 5 horas diárias e a minha cabeça já rebenta, não tarda vomita com uma congestão de testes ingeridos durante a noite, caindo nos lençois azuis marinhos sem esperar por um arroto que me sinalize a ausência de perigo. Deito-me com a barrigua empertigada de testes. Isso faz mal.
Hoje acordei e ainda peguei num teste do cimo do monte mas até ao momento em que vos escrevo não consegui dar-lhe seguimento. A bic vermelha espera que os meus dedos parem de saltitar de letra em letra e a agarre com primor de força matando-lhe o vício de deslisar nua e justa castrando todas as letras erradas, palavras desnexadas e frases sem conteúdo de sintaxe e semântica. É uma punidora.
Entretando ganhei força para recomeçar, dei umas aulas e vou imiscuir-me neste monte atafulhado de papel e tinta azul. Afinal eu até gosto de corrigir e medir sobremaneira o que ensinei e o correspondente suor de estudo de alguns dos meus alunos, porque outros nem por isso; têm outras prioridades: o telemóvel de ultima geração ou o último grito nos realistas jogos de computador, um passeio no Fórum pelas lojas de trapos,...
Tenho que continuar e como é regra nos meus últimos meses, mais um fim-de-semana que foi num balão que não consigo, apesar da teimosa insistência, apanhar.
O sol está lá fora....

domingo, 17 de maio de 2009

Neros dos impérios modernos...

Ando assim um pouco indignado cá com o nosso cantinho de terra.
Estas pretéritas semanas foram férteis em notícias pouco abonatórias aos bons valores sociais e ao bem-estar físico. Ambos são condições indissociáveis de uma boa qualidade de vida.
Primeiro, foi a gripe H5N1 que se alastra a um ritmo alucinante pelos pontas e recantos da nossa bola redonda. Os casos aumentam exponencialmente um pouco por todo o lado, embora as previsões adivinhem uma contenção rápida da doença.
Seja como for esta questão conduz a uma análise mais minuciosa desta nova peste, cuja origem é muito polémica e fortemente condimentada de grande insipidez. Amarga é a forma como continuam a morrer homens e mulheres, que, por grande azar, se atravessaram no seu irredutível caminho.
Porém, algo me deixou intrigado, pois, segundo veiculam algumas notícias - umas fontes mais fidedignas que outras - , esta gripe, bem como uma catadupa de outras maleitas mortais, tem origem em investigações descuidadas e nalguns casos autênticos negócios maquiavélicos, que fazem lembrar o (des)governo dantesco do insano Nero na Roma imperial.
Outrora, em tempos idos, Nero incendiou Roma e culpou os cristãos pelos seus actos infames. Matou-os depois, utilizando-os como brinquedos esfarrapados para os seus esfomeados leões. A multidão sedenta de morte e sangue aclamava-o loucamente, tornando ainda mais incurável a loucura do imperador.
Hoje, encobertos, temos um incontável número de Neros, que do alto das suas cadeiras-sofá almofadadas comandam os botões da máquina da vida. Quando não a malária e outras doenças que tais estariam faz muito erradicadas do mundo terráqueo, a dor da morte dolorosa e demorada seriam desconhecidos dos povos terceiro mundistas.
Mas é assim que funciona o nosso mundo e os seus comandantes ávidos de lucros fáceis e astronómicos. Morram os mais necessitados e os lucros serão imensos. Que seria das grandes cadeias farmacêuticas se a cura de algumas doenças estivesse ao dispor de todos. Não se venderiam medicamentos, logo não haveria lucro. O mais importante para estes imperadores de almofada fofa é que não se cure mas se remedeie porque, desta forma, o dinheiro cairá nos seus fundos e egocêntricos cofres.
Afinal donde surgiram os gases mais mortíferos e as doenças mais catastróficas senão da evolução e da fome de poder e domínio.
Somos governados por novos Neros que lançam o caos e vivem na mais podre felicidade. Em Portugal e por essa Europa fora muito se falar de crise mas, sobretudo, muito se têm aproveitado da dita cuja para lançarem a sua frieza furiosa, dando azo ao que há muito desejavam fazer. Com um menor número de pessoas conseguem um lucro maior, mansões numas ilhas paradisíacas, poder económico para manipular o ainda mais infecto monstro político.
Pouco interessa se as gentes passem fome, fiquem na miséria, não tenham dinheiro para ter os filhos a prosseguir estudos ou a casa para pagar. Isso é de importância somenos, afinal o lucro individual é o que tanto interessa!
Usa-se o poder em proveito próprio, enxovalha-se quem trabalha. Isto dá nojo e vómito.
Soube ontem que numa câmara deste país se suspendeu um professor porque numa aula um aluno se magoou. Infeliz do professor, pago a recibo verde, tal como tanta gente neste país, que teve o azar do menino envolvido no percalço ser filho do presidente do município. Masis um da geração moderna a quem tudo traumatiza.
É um exemplo de como funciona esta máquina demoníaca, que suspende, tenta calar a bouca, apagar as formas da escrita e censura tudo o que não lhe convir.
Mente-se cada vez mais fácil, por isso não gosto da política nem dos seus meios e tentáculos imundos.
São os Neros dos tempos modernos.

domingo, 26 de abril de 2009

Liberdade ou libertinagem? - Como é hoje…

“Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”, já dizia o intemporal lusitano Zeca Afonso.
Dizia-o dos mamões fartos em gordura que se alimentavam do regime à custa da pobreza e opressão do povo calado e cheio de fome.
O grande Adriano na sua canção do Emigrante comovia ao falar de um povo que parte em debandada, temendo ser caçado, condenado ao medo do silêncio e enjaulado numa vida sem pão. E Hoje? Mais que nunca, assistimos impávidos a tantos e tantos a fugir desta terra sem rei nem lei, onde uns engordam sobremaneira facil e outros enfezam, cada vez mais magros de tanto lhe chuparem o sangue fresco.
Pede-se espirito positivo e optimismo ao mesmo tempo que se impõe sacrificio pela pátria amada. Os grandes optimistas são os mesmos que no outro tempo chupavam o sangue fresco da manada, os que esperam engordar à conta do farto orçamento, os que vivem descansados e em folia desgovernada pois sabem que o seu emprego é hereditário. Não lhes é exigido sacrifício algum em alguma etapa da sua vida, afinal para que se esforçar se a grande vaca está barriguda e tem as tetas tão cheias.
Continuamos a ser o país onde não se premeia o mérito, o pioneirismo a inovação, o trabalho e o sacrífico. Dá-se tempo de antena à vida alheia e fácil, ao cão que mordeu o homem, à senhora que fez uns implantes mamários para ficar com umas tetas descomunais, engroçou os lábios ou fez uma lipoaspiração ao cu; mas não se dá espaço ao jovem investigador que faz reconhecidos avanços para o país e aufere um salário que mal dá para pagar as contas do mês. São mais uns futuros candidatos a emigrantes. Portugal continua a ser o país de emigrantes, só comparável aos países da Europa de Leste, da América Latina e da África. Só há pão para alguns neste canto.
“Tens mães que não têm filhos, filhos que não têm pais”, cantava do triste fado do povo português Adriano. Hoje há muitos filhos sem mãe, despojados para as escolas a quem compete servir de familia e ensinar, mas também há muitos pais sem filhos, abandonandos em casa, nos hospitais, em lares, nas ruas. Onde fica o carinho que precisamos na ultima etapa da vida onde voltamos a ser meninos! As crianças – que de crianças só têm a fisionomia e idade - batem nos pais numa total inversão de valores e normas de conduta moral.
Afinal, onde está a liberdade?
Não era esta liberdade que os seus mentores anseavam para o país, era a liberdade quase utópica com grande probabilidade de noutras condições ser real. Não era este o país que os cantores da liberdade sonhavam. Certamente que agora não seriam proíbidos de cantar mas, por outro lado, seriam ocultados.
A tão custosa liberdade transformou-se em libertinagem, uma liberdade incontrolável, num país onde é condenado quem rouba um cigarro mas fica imune o que rouba um volume inteiro. Institui-se uma justiça injusta, tão pesada que só favorece quem rouba, quem trafica influências e poder, quem assassina como um animal raivoso, quem não faz nada nem quer fazer. É isto que nós queremos? Ver os corruptos intocáveis, empoleirados a gozar com a raia miuda…Vê-los sair do tribunal com um sorriso cínico, cantando de galo pois sabem de antemão que nada lhes acontecerá.
Assim acabo a cantar “eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada..."

sábado, 25 de abril de 2009

Marcas de liberdade ou libertinagem?! – Como era antes…

Muito me foi contado pela vóz dos meus avós, do meu pai e de alguns idosos mais esclarecidos da minha aldeia acerca do 25 de Abril, estabelecendo sempre um paralelismo com a sociedade portuguesa contemporânea.
Ainda agora, não raras vezes, me passa pela cabeça uma pequena história que o meu avô Francisco me contava nas longas tardes e tardinhas que ficava a ouvi-lo junto ao aconchego da lareira, sempre bem icendiada por lume de pinho e cepos rugosos de medronheiro. Nós ali ficavamos acanhados em pequenos e rasteiros bancos de madeira de construção artesanal, com as chouricas penduradas num pau a tremelicar devido o calor que exalava da fogueira.
Sabes, noutros tempos apareciam coisas às pessoas que andavam por aí nas ruas e acolá, no cruzamento da Ramadas, cheguei a ver umas luzes miúdas a dançarem para cima e para baixo que pareciam umas centilhas. Eram as bruxas – dizia em tom exclamativo o meu avô.
O toque dos sinos marcava a transição para a hora da penumbra, do medo dos seres do além e das almas penadas. Não havia luz e o medo dominava tanto o feroz vavador de enxada, como o lenhador mais escorreito ou o homem mais ruim. A era das trevas do tempo moderno vivia-se no mundo rural, o mais profundo de todos os mundos, onde a estrada mais próxima para a cidade se apanhava depois de duas horas de caminho a pé, cortando bosques e campos de milho, vales profundos, moinhos e combaros esguios e altos.

Novamente o repenicar dos sinos mal se erguia o sol a raiar nas cabeçeiras dos vales trazia a inércia da vida e mais um dia longo, igual a todos os outros, de trabalho nos campos e a tratar do gado. Era o sustento da família e na aldeia, só a resina, o volfrânio na terra vizinha, já a caminho da serra, dáva trabalho aos homens. Outros ainda foram fazer umas jornadas na construção da lagoa comprida. Abalavam todas as segundas de madrugada com a saca das batatas nas costas calejadas e regressavam no sábado com uns tostões para comprar uma broa de milho e duas ou três sardinhas, proporcionalmente repartidas pelos muitos filhos em roda da mesa.
As couves, os figos e as miunças vendiam-se na praça de Loriga, onde o dinheiro ganho nos texteis permitiam uma vida um pouco mais citadina.
Muito me ri-o com a história que vos passo a contar. Certa vez o meu pai e uma prima, na altura os dois com perto de doze anos, sairam de casa por volta das três horas da manhã em direcção a Loriga, onde vendiam os produtos da terra atafulhados em duas grandes sestas de vimém entrelaçado, minuciosamente construídas pelo canastreiro da aldeia. O peso era grande e a distância também, contudo só tinham destinado uma paragem a meio do caminho para descansar o pescoço. Eram crianças com força de adultos…
Percorriam já uns quilómetros depois da aldeia deram conta que à sua frente iam uns primos, que iam rivalizar com eles na venda das colheitas. Se chegassem primeiro iriam ocupar o melhor lugar. Que deu na cabeça ao meu pai: - o melhor é pousarmos isto e arranjar maneira de os espantar. Que ideia vislumbrante, a minha prima levava um xaile preto feito em borboto, ou seja com um tecido cheio de pequenas aberturas e buracos largos e o meu pai aluniava o caminho com uma lanterna de carbureto. Envolveram o xaile sobre a lanterna, donde saiam espaçados feixes de luz muito forte e aproximaram-se dos outros que ao veram aquilo pousaram as cargas e desataram a correr monte abaixo até a aldeia, gritando “Santo nome de Jesus, Credo”, “Abrenuncia”, vimos uma alma penada na lomba e corria para nós. Durante semanas o medo voltou para ficar e atormentar o povo e a alma penada foi durante semanas o tema de conversa no final da missa, nas orações em familia e nos trabalhos do campo.
Aos domingos agradecia-se esta vida na missa e pela tarde jogava-se à pucarinha nas praças da aldeia, onde se juntavam as familias e os amigos, e os homens equipados pouco a rigor corriam no campo da bola, aqui e além com ossaduras de afloramentos de granito que queimavam as pernas nas quedas mais aparatosas.
Na escola, os meninos estavam separados das meninas, mas ambos respeitavam os regentes, que ainda utilizavam a menina de cinco olhos para quem não fazia os deveres e se portava mal.
Assim se vivia na aldeia, mais tarde rasgaram a estrada – que ainda hoje permanece com o seu trajecto e piso original, ehehehhe – e só passava um carro de longe em longe. Toda a gente saía à rua e os pequenos agarravam-se à traseira dos “calhambeques”para impedir que patinasse na curva da escola – conta o meu pai.
Havia medo dos bufos que ainda levaram algumas pessoas da aldeia a deporem na GNR, onde o meu pai também foi “apertado” em virtude de se encontrar a conspirar em grupo contra a amada pátria numa rua escura da aldeia. Lá tive que pagar uns reis para não lhe baterem – rematava o meu avô.
Vivia-se num mundo calado pelo silêncio do medo. Portugal era o país dos xailes pretos, do luto, do temor e da desgraça da guerra do ultramar. Não havia ideia de outro mundo e tudo se cingia ao que se via no horizonte dos olhos. Os dias eram longos e sucediam-se sempre iguais.

25 de Abril

Ó capitães valentes
Que vos levantastes do nada
Ai sem vós
Que seria hoje de nós!
Tombastes o monstro gigante
Não nos abandonastes
Desbravando audazes
Caminho adiante.
Oh cravo,
Que fado o teu afinal
Encravaste a G3
Do cano disparou liberdade
Ó Grândola Vila imortal
Ó gente de alma grande
De ousada valentia
Ó marco de ousadia
Santificado que nos livraste do mal
Bem Hajam!
Por não deixares morrer Portugal!

Joni

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Adriano, ontem, hoje e para sempre

Este parte, aquele parte e todos se vão. Faz hoje 27 anos que se foi o saudoso Adriano Correia de Oliveira, cuja alma encomendo aos bons cuidados de Deus.
Fazendo parte do núcleo duro de uma geração de ouro da história portuguesa, é um ícone da música de intervensão que combateu com duras palavras a ditadura que durante longos anos afligiu o nosso pequeno e aligeirado rectângulo.
Pena que para muitos jovens e algumas franjas da sociedade portuguesa seja um mero desconhecido. Ainda agora, segundo uma estatística da Sapo, apenas 36 % conhecem este simbolo da nossa história contemporânea. Até que nem é de estranhar pensando que há muitos jovens de dezoito anos que não sabem o que denomina a palavra foz e litoral, por exemplo (Para que precisamos de saber isso, ainda perguntam meios resignados). Também já houve alguns outros que não conhecem o Presidente da Republica e o Primeiro-Ministro.
Já matei o cerebro a pensar nestas questões um tanto simplórias e sem jeito, mas que me permitiram concluir que até é melhor nem o saberem, pois serão certamente pessoas menos preocupadas, logo mais descontraídas. Mas o que é de um povo sem conhecimento e massa crítica. Um povo cordeiro. Nada, pois claro.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O Homem por detrás da máquina...

Lá vai o cabrão no camião – dizem muitos energumenes que infelizmente ocupam lugar neste mundo. Ocupam porque ao belo opõe-se o feio, ao mal o bem, ao triste o feliz, ao culto o inculto, ao sensato o insensato. Todos têm lugar nesta bola redonda, mas a compreensão do lugar do outro poucos atingem. Além disso cabrões há muitos e nem precisam de sair de casa por muitas horas para o serem.
Lá vai o brutamontes, será que um ser daqueles tem cerebro como a gente comum…terá sentimentos como os demais? Não deve…afinal é um camionista, e, como tal, foi desprovido de coração e emoção; faz vida num camião nem precisa de amor, carinho, compreensão – alvitram outros convencidos que falam uma verdadade irrefutável.
Lá vai o porco, sempre com aquela suada camisola de alças, bucho protuberante e cara de mau sem remédio. Tanto tempo que andam por lá deve ser só mulheres da má vida?! Sem tomar banho, a cozinhar ao lado do camião no meio do lixo. Também são camionistas, que se espera, tão-só feios palavrões, daquela boca não sai conversa direita, andam num camião nem precisam de saber falar qualquer coisita – defendem alguns obstinados mais pobres de vida.
E o homem por trás do camião? Esse é um Homem que sente, que pensa infinitamente sobre os seus que ficaram longe, que deixou e não sabe se volta a ver, a sorrir com eles, a sentir o seu amor, amizade, carinho; enfim, as sensações que fazem correr o sangue desde as veias mais finas às grandes artérias e repetidamente bater irrequietante o coração. Pulam as saudades constantes no pensamento menos pensado, pois não se pensa por pensar, pensa-se no que não se queria pensar: nos seus, no que ficou por fazer.
Quando se fecha a cortina, antes dos sonhos se apoderarem do corpo cansado mais uma vez a tormenta dos pensamentos, duros e decididos a ficar e moer. A saudade atinge o seu zénite. Não ter ninguém a quem dar uma palavra, a quem lançar um simples olhar e dizer boa noite. Resta imaginar, talvez abrir um pouco a cortina, olhar de encontro ao céu incendiado de estrelas e pardo do luar e saber que algures naquela direcção está alguém que nos faz existir e não fomos esquecidos pelos muitos quilómetros. Sentir que se faz parte do mundo e que por mais um dia não fomos esquecidos.
Afinal os camionistas são prisioneiros de sentimentos, o feio, porco e mau é uma pessoa como todas as outras. É feito da mesma massa e de todos os componentes humanos das restantes pessoas comuns. Compleição de carne e osso, impregnada de um coração amanteigado de emoções, razões, tentações, dor.
É um homem que sonha como todos os outros… e até sonha mais…

sábado, 21 de março de 2009

Hoje é dia mundial da poesia e, como não o poderia deixar de fazer, aqui vai a minha contribuição(ehehehehehe):

Vips

Têm-se tudo mesmo à mão
Basta sorrir sem querer
É logo aplaudido pela multidão
Nem é preciso saber ler

Sexo, telenovelas, vips e coisas belas
Vidas que não são só delas
Mesmo sem nada fazer
Fazem o país crescer?

Na capa está a Clara Bela
Não conhecem? incultos!
Só sabem lançar insultos
A essa boa esposa na telenovela

E se virem com atenção
Vão encontrar o Tó Manel
Aquele que não era ninguém
E agora é estrela de televisão.

Joni

sexta-feira, 13 de março de 2009

Música Viajante

Rompo o tempo e os testes para vos falar de música, especialmente aqueles sons que beligeravam arduamente com o rocar de vida do Virgolino. Dificilmente o abafava.
A música é, para mim, uma arte divina, um hino de magnificiência. Tanta música inundava os meus ouvidos e se despenhava na alma durante as longas viagens.
Por vezes – muitas que foram – conseguiam transportar-me para um mundo além, um mundo que me fazia esquecer o grande volante, a linha contínua e descontínua, o assobiar das ultrapassagens, os horários rígidos, os minutos a mais, a ausência, a estrada, a policia.
Um mundo enorme de libertinagem do espirito no seu estado mais límpido e sensivel.
Tratava sempre de destinar um artista ou grupo para me fazerem companhia durante os doze dias que deambulava nas curvas do asfalto europeu.
Zeca Afonso, o mestre da intervensão portuguesa, que fez da música uma arma mordaz, espalhava liberdade por cada bafo de ar da cabine do meu camião. Cantigas de Maio, Maria Faia, Vampiros… e eu acompanhava, pese embora por muita pena minha não ter voz para a música. Sou daqueles que estrago.
Numa viagem que fiz à Alemanha destinei os dozes dias, doze horas de ABBA por dia. Aquelas músicas simples mas melodiosas que repelem o mau estar e atraiem como um potente íman a alegria de viver uma vida nem sempre fácil. Música após música e volvia ao início dos albuns durante doze dias, doze horas por dia. Uma incessante repetição que não cansava.
Cantava ao infinito do horizonte, dos montes e vales dos rios e ria-me sozinho. Uma altura dei comigo a rir-me tontamente e não sabia a razão. Também não tinha dado nenhuma passa nas ervas de folha redundantemente triangular que fazem rir. Estarei louco – pensei cá para os meus botões. Não estava, apercebi-me sensatamente. Era tão só o efeito dissolvente da tristeza presente na música. Melodias que me elevavam e sideraram ao um estado de satisfação ilimitado.
Quando não ouvia música falava para o GPS e berrava como um louco com os outros passantes das estradas. Falava abundamente julgando-me um Deus a corrigir todas as manobras desses outros que mais não eram senão outros cavaleiros do asfalto, uns maiores outros mais pequenos, mas todos membros da mesma tribo. Lançava todas as pragas mais maliciosas e espezinhava a língua desfazendo-me em palavras à Norte.
Outra semana seria Bob Dylan, aquele que a partida não tem voz de cantor compensando essa pecha com letras únicas e de grande fundo afectuoso e crítico.
A terna e pausada voz do Caetano transbordava-me do meu mundo para um outro mundo que existe a par meu, que se esquece porque é triste, tardando a sua solução, caso algum dia chegue.
Liderando o meu Top os velhinhos Pink Floyd, aquilo que eu considero, como uma certa vez ouvi a alguém – que me perdou-e pois já não sei quem foi – muito mais que um estado excelso da música: a tranfiguração da música num estado de alma.
A descer os Pireneus calhava sempre bem um cheirinho de adrenalina dos Xutos, os dinossauros do Rock nacional, que nunca me canso de ouvir, simplesmente porque não cansa e prontos.
A Amália, a eterna e imortal vóz de Portugal, a alma lusa da música. Adoro a voz que é a vos de todos nós porque todos nós temos a Amália na voz.
Não raras vezes interronpia os cds para ouvir as rádios portuguesas lá Fora, em Orleans e Paris ouve-se a nossa língua, assim falada tal e qual como no nosso pequeno Portugal. Tão bem que sabia até ouvir o folclore nacional em terras alheias. Sentia-me mais próximo de casa.
Foi entao que compreendi o que é ser emigrante e ter a lágrima no canto do olho quando ouvimos a nossa língua fora do nosso país e temos orgulho nas nossas raízes, sempre a contar os dias, as longas horas e segundos para ver de novo a placa Vilar Formoso….o cheiro de Portugal.

sábado, 7 de março de 2009

Conversa da treta

Passou-se ontem a dois passos de mim enquanto esperava pela minha vez de ser atendido numa loja da labirintica e empedrada baixa farense.
Eu esperava e ouvia, com atenção fincada, duas jovens com cerca de dezoito anos que mantinham um diálogo aceso sobre qualquer coisa. Digo qualquer coisa, porque não cheguei a entender o fio da meada nas palavras soltas que saiam das suas adornadas bocas.
Ya men, tipo tás a ver eu até curti bue a cena, altamente, até os maus país disseram que era bue a frente – disse uma. Nisto responde a outra no mesmo código: tipo, eu amei, até lhe disse que era bacano tás a ver, assim podia resolver as merdas e curtir bue a night, o meu love tá comigo e também me disse que era fixe e achava uma beca bacana.
Bem, e foi isto que eu ouvi. Penso que será um novo código linguístico que espera aprovação do estado para ser instituído nas escolas portuguesas, para que todos passem e amem a escola que até agora é bue chata, tão a ver…
Esqueci-me de vos dizer que enquanto dialogavam não largarm o telemóvel durante um segundo para visualizar e responder a mensagens.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Perigos cruzados: camionistas e pescadores

Ontem quando carreguei ao de leve no comando da caixa mágica acabei por ficar apegado a um programa que passava num tal canal sobre a vida de pescador. Comparavam-se inclusivamente as diversas práticas de pesca que se praticam pelos quatro (porque não podem ser cinco? Eu pensei que o mundo só tinha dois, como uma bola de futebol: interior e exterior) cantos do mundo, desde pescas rudimentares até aos imponentes navios de alto mar. Quer num caso quer noutro vivem-se perigos constantes, a morte cheira o descuido e o mínimo pode ceifar vidas.
Em terra as familias vivem o dia-a-dia em sobressalto constante pois sabem de antemão que a profissão dos seus desafia limites e perigos, não só por descuidos mas por imposição da mãe maior, a Natureza. Por vezes zanga-se e lança no mar o seu descontentamento; ferozes e velozes turbilhões de ar, medonhas tempestades, restando esperar pela sua calmia agarrados aos terços e aos santos a quem na hora se lançam todas as esperanças. É uma vida assaz dura.
Ora isto transportou-me a fazer uma certa analogia com a vida de camionista (mais particularmente Motorista Tir). Afiguram-se algumas semelhanças no cruzar destas vidas: perigo, saudade, orgulho, ansia de voltar a casa, de abraçar os seus mais queridos.
Afinal ambos correm perigos diários, um no mar, outro no asfalto.
O mar por vezes é cruel e a sua bravura pode tirar vidas aos que aí ganham o seu sustento, mas nem o perigo lhe dá direito a um sudsídio de risco. No asfalto mora a imprevisibilidade, a interrogação do perigo e todo o cuidado é pouco. Reina a imcompreensão aos pesados, mastodontes de muitos metros e grande tonelagem a estorvar nas subidas mais vigorosas. Provavelmente aí desse lado do ecrã haverá muito boa gente que não faz ideia que um camião TIR pode ascender ao peso bruto de 40 toneladas.
No mar vive-se num barco onde se cozinha, trata da higiene e se dorme num pequeno beliche, quase identico ao de um camião. Ainda assim há uma cozinha e uma casa de banho. No asfalto, levamos a nossa casa dentro do camião onde temos que aproveitar o mais pequeno espaço e recanto escondido para arrumar a troxa e a bucha para uma semana ou quinze dias. As casas de banho só existem nas áreas de serviço e não raras vezes é preciso pagar para utilizar, por vezes imundas, onde temos que nos abstrair do cheiro nauseabundo e deitar vista grossa para fazer as necessidades; embora aqui a culpa seja sobretudo de alguns utilizadores que quando estão em casa fazem o mesmo porque tem lá a mulher para as limpar logo a seguir.
Na bélgica porém há uma situação algo hilariante, pois nos parques das auto-estradas existem umas placas de informação onde figura um boneco a urinar para a relva. Não é a proibir, ao invés, avisam que o lugar é próprio para fazer essa necessidade. Os automobilistas param, dirigem-se à vegetação e toca a fazer chichi, eheheh. Já na Alemanha isso dá direito a multa.
Eu, muitas vezes preferia lavar a cara e os dentes no cantil da água do semi-reboque que ir às casas de banho.
Cozinhar, pois, muita gente não faz ideia, mas os camionistas não frequentam os restaurantes como seria de esperar, caso contrário não teriam dividendos do ordenado. Leva-se um camping gás, louça e alimentos conservados no frigorífico, coloca-se uma caixa em volta do camping para proteger o lume do vento e assim se fazem saboros e requintados repastos. NoVerão por volta dessas 20 horas é um cheirinho a comida nas áreas de serviço francesas. Os próprios franceses ficam com inveja, porque só lhe resta mesmo consolarem-se com o cheiro.
No Inverno tem que se improvisar tendas com a lona, ou caso a carga não complete o reboque confecciona-se aí a refeição. Nos dias de cargas e descargas ou se fez comida no dia anterior ou muitas vezes acaba-se mesmo por enfardar umas miseras sandochas.
E a saudade? Essa é imensa e na minha opinião se ouvesse um medidor de saudade os camionistas e os pescadores rebentariam com a escala, nunca é pequena a saudade, aliás nem sei se é possivel medi-la em números, porque o coração não é quantificável nem mensurável.
As saudades são dolorosas e mal arrancamos já se fazem contas para regressar, tendo em conta as distâncias, horários e as possibilidades de carga.
Talvez aqui os pescadores ganhem visto que ainda tem companhia para falar, rir, um simples olhar, os camionistas conversam ao CB e nas áreas de serviço quando se acaba o horário para pernoitar. De resto pensa-se, repensa-se e torna-se a pensar. Cria-se quase uma relação de amizade com o camião que ouve os desabafos e as confidências mais íntimas. É preciso muita resistência.
No mar quando se dorme teme-se a sua bravura e nas áreas de serviço teme-se pela segurança, pois são cada vez mais os relatos de roubos às próprias cabines. Os larápios hoje em dia já nem ligam tanto às cargas, preferem as televisões, os gps, máquinas fotográficas, rádios, portáteis. Os relatos dão conta de roubos com utilização de soníferos.
O amor? As vezes que não fazem amor com as companheiras são indesejáveis, e resta contar os dias para atracar em terra ou no parque da empresa.
São vidas cruzadas na saudade e no perigo. Sabemos que partimos vivos mas não se sabemos se alguma vez voltaremos…

Entretanto despeço-me assim:

Viúva do pescador

O grito não o ouvia o mar
É mouco
Chorava por quem não voltou
Pobre mulher viúva
Triste por tanto amar

Cedo pressentiu que não ia voltar
Naquele malfadado dia de chuva
No horizonte nem as gaivotas voavam
Ao mar só lançavam o seu cantar

A filha que nunca o pai verá
Senão nas gastas fotografias
Sabe quem lhe roubou a vida
Porém do mar não esquecerá
Rasgam-se vagas memórias,
Deveras dolorosas nalguns dias.

Triste mulher por tanto amar
Amansa agora sobre as frias areias
Tapando o rasto da sua passagem
Quer o correr do tempo ajudar

Já não tem raiva ao mar
Nem brota levadas de lágrimas
O pranto morreu nas velas do velho altar
Só ficou a saudade.

Imensa coragem,
Circula no sangue que corre nas veias
Tempos que em memórias se tornarão
Despenham-se na amena aragem
Mas o amor não esquece com a idade
Nem perdoa ao velho mar.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Perdido em Zaragoça

Faz precisamente hoje um ano que me vi quase irremediavelmente perdido no meio de Zaragoça, bem aqui ao lado na nossa centenária vizinha Espanha.
Ora bem, aí vai o Joni agarrado ao grande volante do Virgolino quando se depara com um sério imprevisto. Existem duas estradas que levam ao cliente onde ia descarregar os rolos de eucalipto e como ainda não tinha um mapa pormenorizado de Espanha fiei-me nas precisas indicações do meu infalível GPS. Tudo bem, pensei, não me apercebendo da alhada onde me ia meter, pois levava o raio do instrumento com a opção caminho mais curto seleccionada.
A estrada até parecia boa, com duas e três vias em cada sentido, até que bati com os olhos de frente a uma placa que me avisava da proibição para pesados com mais de 7, 5 T a partir dai, não havendo, por outro lado, forma de efectuar uma inversão de marcha neste turbilhão de vias. Bem, seja o que Deus quiser – disse para mim e para o Virgolino.
Andei para a frente, visto que “para a frente é que é Lisboa”. Emproado mas sozinho em tamanho o Virgolino deu nas vistas logo a entrada da cidade. Parei numa bomba, sem entrada para pesados, claro está, onde fui atendido por duas moçoilas bem giras, morenaças, altas de ossos e de sorriso esclarecido. Bem, pelo menos já tive vistas um pouco piores, eheheh.
Conversa para aqui, conversa para ali, iam entrando os clientes e todos me tentavam fazer um esboço para dali me ver livre. Conclusão, fiquei a saber o mesmo!
Despedi-me com um caloroso gracias das meninas e fui em frente, até a uma confusão de vias entrelaçadas, todas a apontarem para o ornamentado centro histórico da cidade. Não havia forma de arranjar sitio para dar a volta, ainda fiz sinal a policia para me ajudar, mas nem eles quiseram saber que andava anormalmente por ali um veículo de 40 toneladas em movimento quase orbital. Levantei-lhe a mão e eles retribuíram gentilmente com um aceno, ehehehe! Para as saídas laterais não podia enfiar-me pois também eram proibidas a todos os pesados, enquanto para a frente passavam autocarros, logo o Virgolino também passaria.
Cheguei a pontos que me vi apertado em vias estreitas, curvas dobradas e semáforos para todo e qualquer sítio e sentido. Houve até uma vez que passei com o rodado traseiro por cima de um colorido jardim para conseguir passar.
Depois de quase uma hora e meia às voltas, passeando o Virgolino e os rolos de eucaliptos à beira de museus, igrejas, ruas apertadas de comércio de luxo e vistosos centros comerciais, sempre a ver todos os olhos curiosos focados em tamanho aparato, consegui chegar a uma rua que me indicara a direcção da fábrica.
Claro está, que das próximas vezes que por ali passei nunca mais me enganei na estrada, mas quando não conhecemos e temos poucas jornadas de trabalho pode acontecer isto.

Culpado eu!?

Este fim-de-semana passei-o junto aos meus mais queridos em Seia, localidade de Corgas, a minha Santa terrinha.
Desta vez decidi deslocar-me de transportes públicos pois o medo das multas já me ocupa parte do consciente. Em doze anos de carta (sempre limpos), inclusivamente um ano de motorista TIR, não soube o qual era a cor do impresso de um auto, fosse qual fosse a sua nacionalidade. Sempre tentei cumprir, assim como sempre pautei a minha condução pelas boas regras do civismo, bom senso e responsabilidade.
Mas como tudo tem um princípio, este ano, aqui pelos all garbes, tive duas jeitosas prendas de Natal. Uma aconteceu mesmo na véspera desta época festiva, em Olhão, numa estrada com duas vias de circulação para cada sentido, limitadas com um sinal de 50 que mal se avista entre os densos arbustos. Aliás para perceberem a minha inocência, asseguro-vos que dei conta que uns metros à frente estava um Toyota azul com um radar no interior, mas não tive a percepção do sinal e pensei cá para os meus botões que até ia devagar tendo em conta o tipo de itinerário.
Nos entre tempos das férias recebi um novo presente, desta vez da Brigada de Transito de Portalegre. Caminhava nessas desventuradas horas a passos largos nas longitudinais rectas do interior alentejano, ali mesmo entre Évora e Portalegre. A questão é que transgredi e fui culpado por isso tendo que pagar como manda a lei. Agora o melhor é mesmo andar de autocarro sempre que for mais rentável.
Esta semana saiu o tão esperado veredicto para o colega que, por grande infelicidade, teve o aparatoso acidente em Inglaterra, com registo de seis vítimas mortais, praticamente uma família.
Afinal de contas, e depois de tantas informações contraditórias, a justiça britânica concluiu das suas averiguações que se trata de um condutor sem registos criminais nem antecedentes na estrada, no fundo foi considerado um bom condutor.
De igual forma, foram anuladas as teorias que tinha feito candonga com os discos e respectivo tacógrafo e limitador (ambos aparelhos que deviam existir nas viaturas ligeiras), que ia ao telemóvel, que ia bêbedo, e não sei quantas mais más-línguas infundadas de que a comunicação social portuguesa foi uma impagável e usurpadora prostituta, vendendo-se a tudo e mais alguma coisa, por truta e meia.
Fiquei desconsolado com os habituais comentadores de jornais e blogs, que, mais uma vez são os maiores e melhores condutores, acusando sempre os outros pelo que suceda, porque está fora de questão que cometam erros, afinal até nem devem ser humanos, por lá serão antes uma espécie que aterrou aqui por indicações do GPS.
Acusa-se os homens da estrada por tudo e mais alguma coisa; que não respeitam, que levam tudo e todos e na frente, até lhe apontam o dedo porque não tem casa durante a semana, logo também nem tomarão banho – pensa lá no seu encolhido cérebro essa gente. Esquecem-se de olhar para o próprio umbigo e perceber que até nem são os camiões que andam por ai a 200 Km/h ou que realizam ultrapassagens de elevado índice de insanidade e loucura.
Por outro lado, fico ainda mais desgastado da minha alma quando leio e ouço colegas de profissão a lançar imediatas farpas e suposições sobre isto e aquilo. Às tantas ia a fazer asneira nos discos, se calhar o gajo ia bêbedo, se fosse eu nunca aconteceria, eu sou bom ao volante e ninguém me ensina nada – advogam. É mentira, um dia o azar pode bater à porta de qualquer um, e depois…que dirão?
- A culpa foi do outro, eu tenho medo é dos outros….
Antes de falarmos deveríamos fazer uma profunda reflexão sobre nós próprios, será a melhor forma de corrigir muitos erros…e não nos cingirmos a avaliar os erros dos outros. A estrada não permite um erro, mas mesmo os melhores erram.
Sabem que se tiverem um acidente em Inglaterra, mesmo com um ligeiro, são detidos assim como todos os bens até realizarem as peritagens e concluírem as averiguações. Pensem nisso!
Os ingleses na restante Europa são Europeus, mas os europeus da restante Europa na Inglaterra são estrangeiros.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Cumprimentos ao Paulo Pereira dos Transportes Arniella

Hoje não poderia deixar de fazer aqui um pequeno - mas saudoso - apontamento aos laços que por vezes unem os Motoristas Tir e quem nem a esponja do tempo consegue apagar.
Encontrava-me no acto semanal de cumprimentar a malta que anda por aqui na copia (expressão utilizada pelos motoristas quando comunicam através do CB) do Msn, quando me surgiu, irrompendo pelos cabos e ondas invisíveis da internet, um pedido de aceitação para um novo contacto.
Pois bem, era o Paulo Pereira da Arniella, companheiro de profissão que conheci vagamente em Alfajarim, mas com quem tive o prazer de dialogar um pouco mais em Barbezieux, uma certa vez que vinha de regresso à Pátria de Camões.
Há pessoas que esquecemos porque são futeis e superficiais, ao passo que, há outras que apesar de pouco tempo termos passado com elas nos ficam gravadas na retina da memória. É um caso este.
Para acreditarem, vejam que o pequeno pedaço de papel onde escrevi o meu email perdurou nas papeladas dele, e hoje que o encontrou decidiu contactar-me.
Dei-lhe a novidade que voltei a dar aulas, ao que ele expressou sinceros e fervorosos votos de satisfação.
Como ele tenho pena de não ter os contactos de muita gente que, infelizmente, perdi quando também perdi o malogrado telemóvel.
Se alguém desse lado da cadeira conhecer ou avistarem por essas estradas fora o Pequeno Loureiro, o Jesus, o Ricardo Matos (todos da Patinter), o Zé Carlos (Viana e Gonçalves), O Macaco do Amor e o Tatto (Jaulino) façam o magno favor de lhes dizerem das minhas andanças. Bem-Haja!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Valensole - France



Aos meus caros amigos que se lembram de quando com elevada emoção falei da minha viagem aos Alpes franceses aqui fica uma imagem, que, na aparência, copia toda a descrição sublime que vos pincelei com simples palavras.
Pena minha que na altura não me fazia acompanhar de um instrumento capaz de vos reproduzir tudo o que tenramente vos disse em imagens. De qualquer maneira deliciem-se aqui com o que estes lindos olhos contemplaram e tanto dispersaram para a lua a solidão de camionista.
Será um sítio idílico que um dia visitarei com tempo. Se por ventura na velhice alcançar a reforma passá-la-ei com aventurança dentro de um auto caravana Europa dentro.
Voltando a Valensole – nome que deve a sua génese a Vale do Sol – tão cedo não me esquecerei do que vi por lá. A estrada chegou a pontos de se enfezar num retalho estreito de alcatrão, donde o Virgolino se acanhava para deixar passar os ligeiros em sentido contrário.
As gentes são como ainda não havia tido prazer de conhecer em França, sempre com um sorriso largo e sincero.
Já o Virgolino suava as águas do radiador parei para perguntar a uma senhora se estava no caminho correcto. Era uma pequena e rústica casa comercial onde se vendiam produtos naturais, donde o aroma que afluia se parecia intimamente com alfazema. Pequenos panos e retalhos de rendas coloridas, ervas aromáticas, jarras, cheirosos sabonetes naturais, presenteavam quem chegava. A senhora viu logo que eu era português e com muita calma e simpatia disse-me – num francês meio espanholado – que ia bem, acrescentando ainda algo o que eu não fazia penca de ideia: o destino era um armazém e laboratório de mel. Despedi-me sorridente porque sorridente fui acolhido, o que nem sempre aconteceu em França.
A dois quilómetros adiante cruzei-me com a placa Valensole e como não vi nenhuma proibição a pesados decidi insinuar-me de sorrateiro até ao meio da vila na ideia de me informarem do cliente. Pois bem, as ruas começaram a adelgaçarem-se e logo que os labirintos se fundiram num largo à medida transversal do Virgolino parei a marcha. Em frente ficava uma farmácia; desci, juntaram-se as gentes mais idosas para contemplar o espectáculo gratuito e a senhora farmacêutica, que pelo que percebi era gente muito respeitada por nestes termos, veio cá fora para dizer o que eu ansiava. O cliente que procura é lá atrás já passou por ele – disse afavelmente. Por seu turno, o espaço era tacanho e todos, farmacêutica, clientes, passantes, automobilistas e crianças davam palpites para onde deveria deitar a direcção do Virgolino.
Depois de quase me acoplar à farmácia – edifício de pedra restaurado e de bom gosto adornado - dei a volta à ré e quinhentos metros atrás avistei o cliente. Veio receber-me um jovem erguendo no pequeno empilhador uma camisola do Marselha. Depois de um diálogo falhado chamou uma rapariga que me apareceu a falar português. Fiquei a saber que se casara com um português genuíno. Foi a minha salvação.
Só ninguém me conseguiu salvar de tirar o Virgolino dum sítio onde entrou à justa entre os carros e as paredes do edifício. Agora tentem imaginar tirá-lo para trás à esquerda, sem conseguir enxergar chavo pelo espelho.
Depois de trinta minutos e pingos de suor pirei-me para Viviez, descendo abruptamente para ligeiro voltar a subir vigorosas vertentes alcandoradas nas serranias que sinuosamente me conduziram até ao Viaduto de Millau. Era proibido que os pesados ali parassem mas eu, que me perdoem lá os genros da Maria (Gendarmerie) não consegui resistir ao acto criminoso e por ali parei.
Assim conheci parte dos celestiais Alpes de França.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

ALF

A nossa geração

Hoje estou nostálgico, não sei bem a razão desta desmedida sensação de recordar, tentar lembrar-me e compreender esta diáspora por onde vagueia este mundo em mudança. Não sei que me deu esta semana, mas parece que tem a ver com o poder magnético dos astros que por hora decidiram atingir-me com dureza. Dizem lá eles – e tão longe que estão – que esta semana iria ser plena de complicações e azares. Mas até nem foi, servindo pois para contrariar os seus ditosos preceitos e superstições.
Bem, decidi escrever-vos, porque hoje, e não sei porque razão, lembrei-me dos desenhos animados da nossa infância. Vejam lá se essas pálpebras não incham e pulam de excitação quando ouvimos a música do Tom Saywer, da Heide e da Ana dos cabelos Ruivos, para não insistir no destemido Dartacão e sua amada Julieta e das lições de amizade que nos era dada pelos animais das Fábulas da floresta verde.
Hoje, quando faço um zapping pelo incontável número de canais que inundam o ecrã da caixinha mágica, vejo uns estranhos seres – animais de grande futurismo - a lançar poderosos laisers para tudo o que se mexa e seja passível de se destruir. Nalguns casos até se destroem sem dó planetas inteirinhos, em verdadeiras explosões mirabolantes e grotescas, eheheh.
Ocorre-me agora uma série televisiva que nos fazia rir até doer a barriga, o amistoso allien ALF, que, por incrível que pareça, acompanhava no banco de pendura um motorista TIR que uma vez conheci em Zaragoça. E de facto só de o ver deu-me uma esfomeada vontade de rir, tanto que me ficaram a doer (por longos minutos) os músculos da barriga.
Hoje nos serões alargados da nossa televisão entretêm-se as pessoas com cenas do fútil que acontece no quotidiano, mostrando-se pessoas exuberantes e bonitas a jantarem empertigados banquetes, dignos de um nobre senhor feudal. Os pratos de fina porcelana e os reluzentes copos de cristal enaltecem uma vida recheada de luxos. Todavia, as histórias cerram-se por aí: luxos, pessoas elegantes e bem arranjadas, envolvendo-se na vida consoante o sabor das modas. Já nem as telenovelas são animadas e satíricas como o eram o Roque Santeiro ou a Tieta do Agreste. Autênticos retratos de uma época menos stressante e sobretudo mais caricata. Quem aí, desse lado, ainda foi para os bailaricos de Verão de motorizada, quando ainda só um ou dois amigos tinha carro!?
Para quem gostava de acção tínhamos o engenhoso MacGyver ou o carro “humano” Kit. Tempos que lá vão e que não se conseguem apagar da memória….
Hoje é substancialmente diferente, porque o mundo é também sobejamente diferente. Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, até a espontaneidade de rir mudou…
O rei e símbolo supremo da sociedade actual é o telemóvel. Um objecto pequeno de fácil transporte e manuseamento que tanto tem de útil como de poderoso reprodutor de stress. Nas filas de trânsito, no trabalho, em casa, na escola reina essa doença stressante de dizer que se denominou stress, para a qual só existe um remédio chamado boa disposição.

Terra de ninguém

Terra sem nome

Nesta terra de tantos
Que por não se saber de quem
Reina o vício das balas
Terra de ninguém…
Terra de tantos, (Palestina)
Os olhares tão cegos
Os gritos sem eco, moucos
Já ouvimos muito
Querem-te matar-te
Doce menina.
O pó que flui no ar
Já não te deixa sonhar
A guerra parida de muitas mães
É tua filha,
De pequenina
Agora uma mulher golpeada
Já não chora inocente
A menina.

Estalam balas perdidas
Atravessando ar e paredes
Sem medo só as crianças
Brincam inocentes
Expostas ao bafio da guerra
Crescem assim,
das bombas aconchegadas
Nestas duras andanças
São novos mártires
Estas crianças…

Joni

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Hoje fui inundado por palavras….

Estou agora submerso, depois de uma hora e meia mergulhado num mar de palavras delirantemente tocantes. Pois bem, acabo de me libertar das amarras ternurentas de uma palestra sobre literatura portuguesa na modernidade.
Estou efusivo e siderado com a profusão de palavras que voaram como borboletas espelhadas por todos os cantos e recantos da sala até ao meu ouvido.
A escritora, todos conhecem, Lídia Jorge. Confesso que possuo desde há longo tempo um livro da autora, contudo não havia ainda conseguido ultrapassar o muro da primeira página. Acho, porém, que com o empurrão que levei conseguirei saltá-lo bem mais alto, quase a tocar no limiar das palavras mais soltas.
A verdade é que hoje, e apesar dos dolorosos insultos dos últimos tempos, vi, mais uma vez, quão bonito e desafiante é ser professor. Mas, de igual forma, comprovei que, foi a lucidez dos meus conhecimentos que me impediu de ficar de quedo e me levou pelos caminhos da Europa para ver o que há muito me tirava tempo de sono. Sim, no lugar de ficar à sombra do desemprego larguei a própria sombra e escondi-me para não me apanhar. Fui sorrateiro.
De facto, ou nos deixamos formatar pelas vicissitudes ou somos audazes na busca do que não queremos deixar por fazer.
E podem perguntar o porquê dos camiões. Pois, na verdade, desde pequeno que escorria em mim essa paixão, pelo que passava horas incontáveis a ver e ouvir as majestosas scanias a assobiar ferozmente em direcção a um mundo além, maior que o da minha aldeia. Consumia-me a direcção incerta daquele roncar: Espanha, França, Itália.
Mas o que mais saboreei foi entrar dentro daquele mundo e desmistificá-lo, porque aos comandos de um camião não vão grunhos nem brutamontes, vão pessoas corajosas, vivendo perigos e desejando matar o tempo para rapidamente voltar aos seus, aos que amam.
Nunca mais me esquece de uma temperada conversa que ouvi ao longo de um regresso de Itália. Ouvia, a viva e toante voz dois companheiros a falar de actores de cinema e ficara espantado como pareciam ser donos de um conhecimento que a mim me ultrapassava. No final parei, já perto de Salamanca, para jantar e vi descer das cabines dois senhores com ar de sessenta anos! Com o correr do tempo conheci companheiros com a quarta classe ou pouco mais classe verdadeiros poliglotas, donos e senhores de uma cultura geral de fazer inveja a pessoas com mais tempo de estudos.
Foi isto que aprendi, a colocar-me no lugar do outro e viver as suas dificuldades, os maus momentos, as alegrias, porque só assim compreende e respeita o mundo.
Termino com uma expressão da escritora: “fiquei com mais teclas no meu piano”.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Os Jovens estão de abalada da minha aldeia

Por mais que nutra em nós o sentimento da raça lusa, já pouco este país oferece à sua juventude. Da minha geração era o único com laços mais chegados à terra, pois todos, raparigas e rapazes, partiram para outras paragens em busca do que o nosso país foi, infelizmente, incapaz de lhes proporcionar - uma réstia de esperança em conseguir uma vida melhor. São mais uns a criar tentáculos de Portugal por essa Europa fora.
Neste Natal recebi mais uma fatídica notícia: um dos poucos jovens residentes na aldeia vai-se aventurar por outras bandas, onde a vida talvez o presenteie com novas oportunidades. Pois é, parece que o meu amigo Jolie está movido pela força de partir para fora.
Enfim, é vê-los partir sem nada puder fazer para nos sacudir deste mau fado.
Nem os discursos enfaticamente optimistas do nosso primeiro conseguem quebrar esta corrente. São apenas mais umas palavras expressivas e encadeadas, porque quem governa fá-lo para si e para os seus e não para todos.

O meu Natal

Mais um Natal encantado nos recantos profundos do Portugal rural e mais uma lágrima que quase se desprende mas timidamente não se deixa escorrer.
Fui pulando de alegria como um petiz ao encontro da minha terra, dos meus domínios nas serranias que alicerçam a Serra maior. De braços esticados esperava-me a gente da minha aldeia. Não via o momento de a avistar.
Para mim o Natal é meu e de quem me tem nas artérias do seu coração. Uma das coisas que mais me entristece é ver o normal correr da vida e olhar para os mais velhos cujas rugas traçadas no rosto marcam uma vida intensa e imensa de sacrifícios. Vê-los envelhecer!
O Natal é isto, momentos que para o ano serão uma nova mas terna recordação.
Talvez fruto da larga distância foi o Natal mais puro da minha vida, deixando afluir em cada pedra uma nobre sensação de bem-estar. Foi a minha prenda e tenho pena que hoje se confunda o seu espírito com prendas.
Lembro-me das prendas que me marcaram na infância, um comboio a pilhas e um livro – “O João sem medo”. Lembro-me porque foram as únicas e por isso o seu valor é inestimável.
Hoje o Natal é sobremaneira diferente, as compras, as prendas, o individualismo enterraram e calcaram o verdadeiro Natal, tornando-o numa lição épica de agressividade publicitária e consumismo desenfreado.
Parece que tudo se compra com prendas, porém a minha prenda foi o reencontro com os meus e isso não tem preço nem se compra, sente-se.