domingo, 19 de outubro de 2008

Seja profissional...não faça da estrada um cemitério

Portugal é o quarto país onde menos se trabalha

Média influenciada por horário de 35 horas da Função Pública, o segundo mais baixo da Europa
Adaptado de JOÃO PAULO MADEIRA in Jornal de Notícias.
"Portugal é dos países com menos horas efectivas de trabalho por semana, de acordo com um estudo da Eurofound. A população empregada do país trabalha menos 1,2 horas do que a média e menos 2,9 do que nos países mais laboriosos.
Apenas Dinamarca, Itália e França têm cargas horárias efectivas menores: a média dos 27 estados-membros da UE é de 40 horas semanais. No topo da lista estão a Bulgária e a Roménia, com 41,7 horas, seguidos do Reino Unido, com 41,4 horas. Espanha trabalha 39 horas e a Grécia 39,9.
Contudo, o facto de Portugal estar abaixo da média europeia deve ser interpretado com cautela, já que se verificam diferenças significativas entre sectores de actividade. A Eurofound seleccionou três actividades - Função Pública, indústria química e comércio a retalho - representativas do sectores público, da manufactura e de serviços, tendo constatado diferenças significativas na jornadas laborais convencionadas.
Na indústria química, o país tem o período semanal de trabalho mais elevado da Europa (40 horas, quando a média europeia é de 38,6), juntamente com outros nove países. Neste sector, o Eurofound nota que as horas de trabalho em Portugal contratualizadas estão "marcadamente acima" da média de toda a economia. No comércio a retalho, o mesmo cenário. Portugal pertence ao grupo de países com horário semanal mais prolongado (40 horas, face a uma média europeia de 38,8), acima da economia global do país.
Já no que diz respeito à Função Pública, as coisas mudam. Portugal, com 35 horas de trabalho por semana, é nesta área de actividade o segundo país com menos carga laboral, a seguir à Itália, cujos funcionários públicos trabalham 32,9 horas. Neste caso, a Eurofound deixa o reparo: as horas de trabalho na Função Pública estão "significativamente abaixo" da média nacional."



Pois é mais uma vez na cauda da Europa. Eu até custumo dizer que somos os melhores no pior. Mas não é só na função publica que se trabalha menos tempo. Uma certa vez num parque industrial português tantas vezes badalado na comunicação social estiveram 6 h para descarregar um camião turco que já esperava desde o dia anterior para o fazer. A mim restava-me esperar com paciência de santo, porque só entrava quando ele saí-se. Descarreguei muita vez na Holanda, Espanha e Alemanha sempre com uma pontualidade incrivel, nunca demoraram mais de 2:30h. Agora pensem o que quiserem...há aqueles que permanecem muitas horas no local de trabalho mas trabalham pouco, param para ir fumar de 10 em 10 minutos, aproveitam para por a conversa em dia, vão à casa de banho para passar o tempo, etc, etc.

Ao invés também há aqueles que trabalham rápido (ou pelo menos gostariam) mas não têm as devidas ferramentas. Uma ocasião numa pequena fábrica vi um tipo que fazia habilidades incriveis e mirabolantes com o empilhador, só lhe faltava mesmo dar o pino; no entanto, se havia um lote mais pesado o empilhador empinava atrás, se o lote estava mais além não chegava lá porque os garfos sao demasidos pequenitos, não pode trabalhar muito tempo seguido porque as baterias estão viciadas...Passado um pouco apareceu um senhor altivo e de aspecto espartano num Mercedes topo de gama, era o Patrão!!!!

sábado, 18 de outubro de 2008

Não é fácil...ainda me arrepio

É verdade, por vezes torna-se doloroso mudar de vida. Não é deveras fácil. Ainda sofro arrepios cortantes na espinha quando passo a roçar as grandes rodas de um camião.
Fico nostálgico pelos momentos passados. Mas enfim, agora resta-me olhar em frente e seguir o coração guiando-me também pela frieza do raciocínio.
Nunca vos disse que tenho um problema de saúde que me afecta desde petiz e que se aguçou ainda mais com o tempo. Ouve uma altura que mal conseguia respirar e sentia-me afogado da garganta. Afectou-me de tal forma que era frequente afastar-me dos lugares mais sociais porque pensava que o incomodo também se transmitiria a outros uma vez que não parava de tossir e fazer força na garganta para tentar libertar uma espécie de massa altamente pegajosa que me afogava e tentava desesperadamente expelir sem êxito.
E sabem uma coisa, a doença é crónica e apesar de já ter sido operado fiquei na mesma, mas, sem explicação, pouco me afectou nas minhas longas viagens, pelo menos da forma como me afligia antes. Não sei se dos ares se por alguma força mental e pela fé que me guiava por aí fora (nunca tinha tido tanta fé),…, de facto algo mudou em mim; talvez tenha sido a adrenalina de muitos momentos, a forma como tanta vez vi que a vida é tão cruel e efémera e que apesar de tudo à gente com piores enfermidades e destinos.
Uma vez deu-me vontade de chorar quando vi um colega francês esmagado pelo diametralmente grande volante do seu camião num embate com outro camião. A expressão daquela cara não me esquecerá enquanto viver. Foi a sua ultima expressão, um estímulo de agonia e de desespero. Aprendi a dar mais valor e apreciar a vida.
Como foi ele poderia ter sido eu, mas não fui e continuo aqui feliz por continuar a viver. Posso andar engasgado mas continuo a viver profundamente.
É tão bom sentir o ar a entrar pelas narinas e inundar os pulmões de vida!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Virgolino:


Adeus

No momento em que escrevo estas palavras brotam lágrimas de saudade dos meus olhos. Ponho aqui um ponto final na história de Joni e do inseparável companheiro de longas jornadas pelas estradas da Europa, Virgolino.
Correm como que se de um rio se trata-se. São lágrimas carregadas de histórias de momentos únicos que só quem anda nesta vida sente na pele e compreende. Durante muito tempo pus em causa a palavra de muitos colegas que afirmavam afincadamente que custava a começar nesta vida dura, mas que com o correr do tempo se tornaria um vício suculento. E é verdade, confirmo-o, custou a começar mas ainda custa mais a largar. Sobretudo porque passamos aqui momentos e situações que não são passíveis de acontecer em qualquer outra profissão. Se a tropa faz um homem as caminetes fazem um Homem. É aquele bichinho que não se esquece. È uma espécie de veneno com antídoto raro de encontrar.
Muita gente anda por necessidade, e acredito que sofram imenso, não só pela vida dura que é, mas principalmente da ausência temporária das pessoas que amam, porque não é fácil fazer vida de nómada, longe de quem mais se ama.
Eu aprendi mais da vida num ano de motorista que propriamente em quatro anos de faculdade, em que passei horas e horas a ouvir uns senhores supostamente muito sábios a ler sebentas senis e amarelas e proferir citações pomposas de grandes autores.
Aprendi a dar valor à vida e ao trabalho, a apreciar os valores e as mais pequenas coisas da vida, aprendi a dar valor ao que normalmente se despreza e acima de tudo aprendi a dar valor a estes homens corajosos que cruzam todos os dias as difíceis estradas da Europa.
Dormi num camião, fiz dele a minha casa, cozinhei e tornei-me mestre na arte de cozinhar ao ar livre, conheci sítios, conheci imensa gente, apreciei diferentes modos de ser e de estar. Não vi televisão e não me fez a mínima falta, mas li muito e muito aprendi.
Custa sempre uma despedida e não me contenho neste momento. Choro como uma criança. Há praticamente uma semana que não durmo sossegado, sonho com as viagens, sonho que estou a acordar em Paris, Ashford, Colónia, Antuérpia, Breda.
É difícil voltar à vida comum. Já tinha perdido os hábitos. Já nem conduzir o meu carro sei, ando com o manípulo das mudanças de um lado para o outro à procura das altas e das baixas, fixo o dedo polegar para cambiar a overdrive…
Voltei a fazer uma coisa que pensara nunca mais tornar a fazer: dar aulas de Geografia. Agora tenho mais conhecimento de terreno é certo, mas da mesma forma me desiludo mais com este sistema ultra burocrático de papeladas e mais papeladas e ainda mais papeladas. Ando estoirado de tantos papéis, relatórios, papeis para tudo e mais alguma coisa. Acho que quem se vai aguentar no ensino não serão os bons professores, que gostam de dar aulas a sério, serão os resistentes à burocracia. Perco noites de volta de leis e papeis que me consomem e tiram tempo para o que realmente interessa – transmitir conhecimentos, formar pessoas para a vida… (neste momento precisam é mesmo de muita formação pessoal, de assimilação de valores básicos…)
É triste que assim seja…
Se algum dia estas palavras chegarem lá ao cimo, certamente não terei futuro a dar aulas, pois digo a verdade, o que sinto, que certamente importunará muita gente. Serei mais um a arrumar porque não sirvo o sistema. Não estou preocupado, porque estou habilitado para muito e não sirvo para obediente ao insensato e facilitismo.
Agora que estou no fim, resta-me desejar que a partir de então respeitem a vida dura destes homens e mulheres que dia e noite fazem da estrada a sua casa, que movimentam o mundo correndo de terra em terra, de país em país, sempre com o coração na mãos de Deus e o pensamento nos que deixaram para trás…e tanto amam…
Adeus….
FIM

Maneiras de ser

Tanta gente e gente tão diferente que partilha o mundo. Durante estas longas caminhadas muito apreciei nas pessoas: simpatia ou antipatia, respeito ou desrespeito, compreensão ou incompreensão, alegria ou tristeza…
Confesso que cada vez gosto mais do meu país porque venha quem vier haja o que houver conseguimos possuir sempre alguma alegria natural, daquelas que não desaparece nem que o mundo esteja para acabar. È inapto da raça lusa.
Da mesma forma tenho pena da mentalidade retrógrada, do compadrio, da acomodação e do medo de arriscar… Temos orgulho no futebol mas não apoiamos a nossa música não damos valor ao que é nosso. Faz falta uma dose de orgulho.
Seja como for verifiquei que os franceses tem um sindroma qualquer em relação aos portugueses, olham mais como os saloios lá do canto da Europa que cozinha nas áreas de serviço e tem que andar quinze dias afastado da família para ganhar a vida.
Os alemães, esses continuam com a ideia de superioridade e orgulho na raça, olham-nos de cima e tratam-nos com distância. Poucos são que os que deixam libertar um sorriso, mas também ouvi uma história de um camionista tuga que ficou retido devido à neve numa aldeia perto de Estugarda comendo e dormindo em casa das pessoas sem que elas alguma vez o tivessem visto mais magro ou mais gordo… Há de tudo.
Os italianos são vivaços, porém acho que nunca ninguém lhes explicou que a estrada tem regras e as regras são para se cumprirem.
Os Belgas têm duas facetas: os flamengos, envergonhados e muito metidos consigo e os do sul mais abertos. São muito rigorosos.
Os Holandeses vêem-nos como terceiro mundistas, embora demonstrem simpatia e extroversão.
No leste, principalmente nos países que aderiram mais recentemente à União Europeia, ainda não se perderam velhos hábitos. Há sempre qualquer problema. Por exemplo, são tão rigorosos que com uma balança única conseguem aldrabar que há um eixo do camião leva peso a mais nem que ele vá quase vazio. Tem um sistema tão desenvolvido que nas áreas onde fazem o controle, tem a lata de montar um sistema de cambio de dinheiro para cobrar multas inventadas. O dinheiro amontoa-se gerando pequenas montanhas. Têm a mania que os do ocidente são ricos por isso à que pagar dê lá por onde der.
Os ingleses dão-nos prioridade na estrada visto que de quando em vez apanham uns sustos com uns tipos de fora que se esquecem onde estão e dirigem-se sorrateiramente pela direita. Mas porque carga de água eles andam à esquerda, há outras formas de ser diferente, eheheh. É tudo muito regrado, porém são cada vez mais as histórias de insegurança e assaltos aos camiões.
Quanto aos nuestros hermanos, tem uma grande diferença em relação aos portugueses, tem orgulho no que é nacional e quem não os compreender que aprenda espanhol…
Para terem uma ideia, numa fábrica onde estava a carregar em Portugal e depois de questionar a razão de tanta demora (seis horas de seca) ouvi esta frase de um azeiteiro qualquer: “o motorista foi feito para ser fodido”, assim tal e qual.