sábado, 28 de novembro de 2009

Os últimos cavadores de Terra

Os últimos cavadores de terra

Reporto hoje a minha memória para os cavadores de terra, que de enxada em punho volvem metros de terra como um feroz leão devora astuciosamente a carne tenra das pobres presas.
Assim passavam a sua vida dias a fio: enxada acima do cocuruto da cabeça e depois com toda a força dos seus trabalhados músculos para baixo, arrancando para trás, torrão a torrão, a terra para as sementeiras.
Afamados pela sua bravura no trabalho eram chamados por muita gente que, ou já não podia devido às maleitas da velhice, ou tinha falta de tempo por outros afazeres. Trabalhavam com poucas paragens, de sol a sol e debaixo de chuva, ostentando nesta ocorrência uma saca de serapilheira sobre as costas. Não evitava que ficassem encharcados pela chuva tocada a vento.
Era de lei, que à frente de cada raspão de terra figurasse um garrafão de vinho com um copo no gargalo e ao meio-dia o tacho estivesse bem recheado sobre o pano de cozinha com ornamentos do galo de Barcelos.
Estes dias, na minha aldeia, cerrou os olhos para o mundo um dos últimos cavadores de terra que conheci – que Deus o acolha junto de si pela sua infinita bondade. Era eu um rapaz de metro e meio, pouco largo de costas, ainda frequentava a primária, tive o prazer de conhecer o senhor João Rafael, fazendo par com ele na cava da terra para uma courela de batatas do meu pai. Como é natural não conseguia acompanhar o cavador naquela empreitada, no entanto o meu orgulho era do tamanho da vontade e desfazia-me em pedaços para não me atrasar muito, apesar de ainda mal poder com a pesada enxada que o meu avô me tinha feito na forja, que na altura ainda funcionava a fole.
Homem atarracado mas de peito bem desenhado e braços grossos era também escorreito nas acções e nas palavras. Daí a sua fama de sisudo, mas boa pessoa.
Morreu um dos últimos cavadores de enxada.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Um texto fenomenal de um amigo camionista

Apreciem, é magnífico, artístico, um domínio de palavras único.
Fonte: http://acaminete07.blogspot.com/2009/11/dias-de-escuro.html

"Descalço...sinto-me descalço. Sem sandalita enfrento por agora os dias cinzentos e frios descalço. E é impossível não estar triste, impossível não sentir uma forte estrutura ruir. Um homem perdido numa cabine...está vazia, segue vazio o homem que vos escreve.
Mas prometo não falar de amor. Só me apetece sentir,não me apetece partilhar estas coisas de que também sofro.
Tenho mudado os meus próprios horários. Assisto agora ao nascer do dia já depois de testemunhar o fim da noite, do escuro e das estrelas. Os dias de Inverno alteram as minhas rotinas instaladas. Por norma acordo ás 3 ou 4, no exterior entre o frio granitico e o côro de aquecimentos de parque dos camiões ainda dança o vento com tudo que lhe atravessa o caminho e paro ás 14 ou 15, ainda a tempo de arranjar estacionamento com relativa facilidade e de ter luz natural para cozinhar. Prefiro assim...detesto cozinhar ás escuras. Sempre tive a impressão que o frio se aliou á noite. Não há luz, há frio. Andar assim cedo permite-me fazer 3 horas ou mais de conduçao antes de dormir quando a luz do sol começa a vencer a escuridão deixada pelo rasto da noite. Aí paro, preferencialmente de forma a ver o sol nascer e se os olhos não aguentarem ver esse momento que tanto mexe comigo, então durmo uns minutos. Nunca lembro um único dia em que tivesse amanhecido mal disposto com alguém do mundo. Agora entre uma passa, pareço recordar o momento em senti que o momento em que o sol se ergue é tão importante em mim. Em Angola, em Huambo, no acampamento das nossas tropas ao serviço da Onu, havia um posto de segurança (guarita para quem foi á tropa e também para muitos que não foram) que estava voltado para o aeroporto da grande cidade do planalto central. Um dia assisti dali ao nascer do dia...não lembro de nada mais a não ser a paz, o silêncio sossegado que me acompanhou nesse momento. Ausentei-me de mim, deixando ali um corpo a segurar um arma...eu estava ali mas não estava, amanhecia ali com o dia. Desde aí procuro assistir ao romper de cada dia.
Trabalhar mais cedo tambem permite parar mais cedo, claro que é com mais facilidade que encontro o lugar ideal para parar a xaleca, minha única companheira, e poder, já depois de uma refeiçao quente, assistir ao fim da luz, á invasão visual do frio. E adoro estar assim...a assistir ás rajadas de vento, ao frio cortante que dança entre a gente que caminha na rua, á chuva riscada em diagonais tocadas a vento porque no fundo, assisto sem lhe tocar porque o prazer está em assitir a este quadro de implacável frio, comodamente sentado no conforto quentinho que a xaleca me reserva. E quando há nevões até arrepio de tanta paz...é bom, estar de calções e t-shirt a ler um livro ou a fazer qualquer outra coisa enquanto do outro lado da vidraça está o Inverno, a insinuar-se e a manter a sua força da tradição. É do melhor, acreditem.
E já não assisto ao império negro que a noite impõe, já não sinto o colega que chegou e parou ali mesmo ao lado porque adormeço cedo...é a dança das horas e a dança dos dias de luz que passam depressa dando á noite o espaço que ela bem entende ter para nos dormir...para nos calar o pensamento."

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

20 anos depois



Vinte anos após a queda do grande muro de betão de Berlim recordo-me vagamente de como vi esse acontecimeto. Era gaiato mas o meu pai tinha-me explicado que havia um muro que dividia uma cidade da Alemanha, chamada Berlim, em duas partes, duas ideologias, duas vidas.
Lembro-me das pessoas a passarem de um lado para o outro e abraçarem-se comovidos pelos anos de distância, famílias que tinham sido forçadas à separação e que se encontravam novamente passado tanto tempo.
Mais tarde lembro-me de ver os Pink Floyd a provocarem simbolicamente a queda do muro de Berlim, entre estridentes acordes de guitarra e as duras pancadas secas das percursões.
Hoje pergunto-me se o mundo não se encontra ainda dividido, afinal há pobres e ricos há bons e maus, capitalistas e comunistas.

sábado, 7 de novembro de 2009

O caso das insólitas botas de pescador

Aproveitando o raior do sol hoje fui à praia passear, deixando por lá o testemunho das minhas pegadas número 41 que o vento e a água se encarregarão de apagar rasto. Ficam no entanto enraizadas na minha cabeça algumas imagens insólitas que só o correr do tempo e a chochice na velhice fará desaparecer.
Não foi o mar que me ficou na retina, os montes de esqueletos dos bivalves, as estrelas do mar secas, nem tão-só as gaivotas de tenra idade que chilreavam rasando estrondosas sobre a capa da água que hoje se encontrava acalmada pela ausência do vento. Algo, porém impulsionou em mim alguma saudade da minha aldeia e dos tempos antigos. Um par botas de pescador altas até ao joelho.
Nem mais nem menos, foi esse o rastilho responsável pela detonação da espoleta.
Lembrou-me que as primeiras botas do género que vi foi na minha aldeia por volta dos meus saudosos 10 anos. Alguém que vivia a beira do mar ofereceu essas esquisitas botas ao meu tio Zé Mendes. O impoacte foi tão grande como hoje alguém aparecer no largo da ponte de Ferrari.
Na aldeia, toda a gente, inocentemente, comentava que o Zé Mendes tinha umas botas de cano até ao cimo das pernas quase a roçarem as virilhas. Ele é um homem muito alto, daí a alcunha Zé grande.
Foi tanto o falatório que já havia quem insinuasse aos ouvidos do vizinho que tal objecto era proibido e pedia-se a Deus que os guitas não passassem pela aldeia e apanhassem o homem com o raio das botas enfiadas pernas acima.
Aí se o apanham, que vai ser dele – corriam as palavras pelos ventos mais frios desde a Malhada Urraca até ao Casal de Cima.
Eram tempos inocentes e a crença no respeito imperava nas aldeias recônditas na Serra da Estrela onde umas simples botas de pescador podiam gerar o boato da semana. Vivíamos no rural profundo, rodeados por pinheiros, castanheiros e extensos campos de socalcos, alguns largamente amplos outros mais esguios.
Havia um homem que por vezes me confrontava com a ida à lua, pois se o Homem já lá tivesse posto os pés todos os capitalistas já teriam lá ido também – confidenciava.
O ti Zé Grande tem hoje 84 anos e ainda tem as botas penduradas na adega, mas a GNR nunca apareceu a perguntar por elas.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Este fim-de-semana alguém me confidenciou da existência de professores portugueses a ensinar os meninos ingleses.

Pelo inicio do ano soube que faltavam milhares de professores nos lugares das escolas inglesas, a praticamente todas as disciplinas. O critério essencial resumia-se a dominar muito bem a língua inglesa e possuir licenciatura adequada. Mas…a que raio se deve esta falta de professores num país onde tanta gente estuda e se considera um exemplo de país desenvolvido.
A verdade é que os naturais de terra de sua majestade à muito que fogem a sete pés do ensino e uma parte importante dos que lá estavam desertou. As escolas ficaram um caos e já ninguém tinha mãos nos alunos, mal-educados e demasiado protegidos pelo sistema geraram verdadeiros focos de problemas pelas escolas do país.
Entretanto, os professores vieram da Índia e de outros países dessas redondezas, aproveitando os lugares deixados vagos pelos que partiram em debandada.
Esperemos mais uns anos e em Portugal acontecerá o mesmo, aliás, como disse o Senhor Doutor Jorge Pedreira, quando não houver portugueses vai-se ao Brasil e arranja-se lá uma carrada deles.

domingo, 1 de novembro de 2009

O país dos pobres

Um destes dias numa pesquisa rotineira sobre os números da pobreza em portugal dei de caras com o que à partida já todos sabemos e infelizmente nos habituámos a ouvir – vivemos no país onde o fosso entre ricos e pobres é mais fundo.
São muitos os pobres e poucos os ricos, mas esses ricos concentram uma riqueza insuperável e inatingível – quase a anos luz – por todos os pobres juntos. Dois milhões vivem com menos de sessenta por cento do ordenado médio em Portugal, que ronda os seiscentos e trinta euros. Sendo assim, 20% dos portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza. A ver bem, como é possível que alguém consiga governar a sua vida com mísera quantia? Cerca de 150 euros gasto eu em combustível para me deslocar diariamente para o trabalho.
Contudo, surgiu-me depois outra informação algo contraditória quee nessa noite de insónia me consumiu pensamentos, contra pensamentos, raciocínios lógicos e teorias quão tristes como mirabolantes.
Uma grande fatia do rendimento de inserção é canalizada para uma faixa etária abaixo de vinte anos. Os idosos que trabalharam a vida toda com sacríficio, louvor pelo trabalho e honestidade vêm chegar à sua caixa de correio um cheque que não raras vezes gastam na primeira ida que fazem a farmácia do canto ou da avenida.
A esperança média de vida (número médio de anos que se espera viver à nascença) em Portugal é cada vez mais elevada em Portugal, no entanto essa face do desenvolvimento envolve verbas elevadas em intalações e apoios à terceira idade, porque com o avanço irreversivel da idade a luta pela vida é cada vez mais feroz. As maleitas vêm e os medicamentos custam pequenas grandes fortunas.
Os chamados velhos-novos (velhos para trabalhar novos para a reforma) depois de anos a lutar pelos chorudos lucros dos seus patrões são postos na rua com uma mão à frente outra atrás e olham para o futuro de forma sombria. As casas precisam de ser saldadas ao banco – que nada em dinheiro - e os filhos ainda pedem pão à mesa.
Todavia, o problema está nos jovens, grande parte abaixo dos 20 anos que recebem a grande fatia do bolo dos rendimentos mínimos e de inserção social. Pergunto-me do porquê e a resposta não consegue aflorar pelos pequenos impulsos nervosos à superfície da minha massa cinzenta. E decerto nesta franja não estão incluídos os que procuram trabalho com humildade e dispostos a baixar a fasquia posta em alta nos seus sonhos mais antigos e alegres. Porque esses não têm direitos a esses apoios. Desenrasquem-se.
São muitos destes jovens que a sociedade e a escola portuguesa está a criar. Não há dinheiro para os bens básicos mas há com fartura para comprar uma Play Station nova ou o ultimo modelo de telemóvel que foi lançado. Queixam-se que não têm as mesmas oportunidades dos outros mas não aceitam qualquer trabalho. São fidalgos. É tão bom passar o dia no café onde se toma o pequeno-almoço, e bebe cerveja de manhã à noite a ver os outros sairem e entrarem em casa cansados da luta diária.
Revolta-me isto, para não dizer enoja-me. Vivem às nossas custas e ainda gozam com que trabalha honestamente.
Eu já fiquei desempregado algumas vezes e fui obrigado a volver mundos e fundos para trabalhar, aceitando o que me surgiu sem negar a oportunidade.
Estamos a criar uma sociedade subsido dependente para estes jovens.
Faz-me lembrar a França, onde se amontoam bairros insalubres, a droga domina e os gangs impoem a sua autoridade sobre a polícia. Isto acerca de uma reportagem que vi no bairro Les Bousquets nos arredores da cidade Luz que se mostra ao mundo brilhante e luxuriosa.
Calças ao fundo do cu, fones ao ouvido e capuz na cabeça avisavam que “despachavam “ quem caminhasse no seu território sem o seu nobre consentimento. Mostravam ao mundo orgulhosos as caves manchadas de sangue das vítimas indefesas.
Defendiam hipócritamente que viviam assim porque a sociedade não lhes dava oportunidade. Ou será que não procuram e nem lhes interessa!?
Apetece-me dizer: libertem a raiva no trabalho que decerto a obra fica com telhado num ar que se lhe deu.