domingo, 6 de julho de 2008

Apanhado em flagrante...

Esta semana começei a dar punho (entenda-se a acelerar) no Virgolino com as coordenadas marcadas para Barcelona, descarregando primeiramente em Vila Franca del Pénedes e posteriormente no aeroporto de Barcelona. Até aqui tudo conforme mandam os cânones de carroceiro, até ao momento em que se chegou a hora de procurar o cliente dentro do espaço de cargas do aeroporto. Primeiro enfiei-me numa rua sem saída e foi quase o fim do mundo em manobras para lá fazer uma inversão de marcha. Rios de suor, salgado e morno, sulcavam o rosto drenando violentamente a pele tostada. Com a ajuda de um Jornaleiro consegui e fui perguntando onde se situava o procurado cliente, facto extremamente difícil e infrutuoso pois não havia alma que conhecesse tal empresa, até que por fim um companheiro espanhol que me via andar por ali às voltas fez-me parar e levou-me lá a alta velocidade por entre rotundas apertadas e ruas estreitas. Não fosse esta alma caridosa aparecer e ainda me enfiava pista de aterragem adentro. Ainda estive junto ao portão com o Virgolino apontado para lá e não poucas vezes passaram-me uns repentes na cabeça, ehehehheh, ia dar que falar, ehehheheheh.
A malta que me acolheu na empresa fora simpática e aprazível e despacharam-me rapidamente, como sempre deveria ser. Só não vos disse que o transito em Barcelona é complicado, ainda por cima não pude evitar a hora de ponta.
Quando vinha a subir rumo a Zaragoça para carregar para Genk, cidade Belga onde existe uma associação lusa, parei num alto depois de uma subida que fez disparar a temperatura do Virgolino para fazer uma pequenita pausa, e, nisto, abeira-se de mim uma linda menina que também fez disparar a minha. Olá! – disse ela ao que eu respondi na mesma moeda. Apenas estragou tudo quando a seguir libertou dos seus belos lábios as seguintes palavras num dialecto um pouco esquisito: “chupar 20, folhar 30”; só nesta altura me apercebi que era prostituta, e pelos vistos não era espanhola, suponho que romena, pelo ar que apresentava…dahhhhhhhhh, lol. E eu a pensar que a rapariga precisava de ajuda ou de boleia, ehehehehh
E pronto, carreguei em Zaragoça e bota a todo o gás para Paris, onde passei o fim-de-semana a comer que nem um alarve, beber que nem uma esponja e conversar com a malta. Ainda foi a uma feira, ou melhor feirita tal o número diminuto de feirantes e ainda menor de apreciadores ou compradores. Toda a gente olhava para nós vendo logo que não éramos destas terras.
Chegou-se o inicio de semana e dá de novo canha ao Virgolino para não se desabituar e se tornar prisioneiro de alguma preguiçite aguda.
Quando recebi ordem de carga calhou-me Bruhl, pequena localidade sobranceira de Colónia. Cheguei e disseram-me que só ia carregar por volta da meia-noite. Dai, deito o belo corpinho na cama e toca a bater sono ao quilómetro. Acordei, e deu-me na ideia de tomar um banho. Ora bem, mas não há duche pelo que vou ter que arranjar alguma artimanha. Nem mais, estavam perto de 30º C, e como estava estacionado lá num canto despi-me exibindo o belo cabedal e toca a mergulhar cabeça na água e depois num acto que me fez lembrar a infância quando todos tomava-mos banhos em alguidares e bacias levante bem alto o alguidar e dou licença à água para inundar o meu corpo suado. Ensaboei-me e enxaguei-me novamente com água limpinha. Mas tudo seria perfeitamente normal se na parte final deste saboroso deleite de água não aparecesse o alemão a dizer se eu queria encostar o camião pois já havia lugar, desviando o olhar quando viu um maluco de um português todo nu atrás da caminete a tomar uma banhoca e a cantarolar…lololo
E vim por ai a baixo direito a Portugal todo feliz da vida até acontecer outro insólito: houve uns emigrantes tugas com carro de matrícula belga que fizeram um festim quando passaram pelo Virgolino, num acto de afecto e demonstração de alegria de quem vai ao seu país depois de um ano de trabalho árduo em terras alheias. Desatei a chorar como uma criança, eriçaram-se-me os pelos de emoção, tal qual como quando cantamos o hino. Pensei quão felizes iriam estas pessoas de voltar a ver a sua aldeia de frondosos pinheirais e rústicas casas de pedra, milheira ou negra. Eu que depois de 9 dias já sinto alguma nostalgia, que será destes compatriotas que ficam um ano fora do seu lar doce lar, dos seus e das suas. Se as saudades tivessem um medidor chamar-se-ia saudadómetro e cifraria as medições numa escala de milhão em milhão, pois nunca é pequena a saudade. As destas pessoas deviam ir a tocar no cimo da escala, quse a rebentá-la. Buzinavam e eu buzinei num concerto de buzinas desenfreadas de alegria. Pedi a Deus que lhe desse boa viagem até aos seus.
Voltei a mim e vira para Portugal que nunca mais chega a hora. Estou em casa desde ontem e parto terça-feira na companhia do inseparável Virgolino.
Até uma próxima.

P.S. A palavra saudade também existe em ucraniano e pronuncia-se tal e qual como em português possuindo igualmente o mesmo significado. E como descobri? A ver um filme ucraniano, onde por várias vezes ouvi a palavra saudade a um militar durante a guerra. Curioso perguntei a um ucraniano que me confirmou que era a mesma palavra que nós temos em português e serva para caracterizar o mesmo estado de espírito.

Desabafos de um Camionista

Desta vez vou deixar-vos aqui um relato de um companheiro e amigo de profissão acerca da vida dura de camionista internacional. Estou convicto que as palavras por ele apresentadas representam lucidamente e com concisão quão dificil é esta profissão.

"Sou conhecido por Verdinho e como referido acima sou camionista internacional. Antes trabalhei como carpinteiro, serralheiro, tractorista, já fui também jardineiro e até servente de obras. Já trabalhei na Franca Bélgica e Luxemburgo.
Durante uns tempos fiz também transportes para Bélgica e Franca enquanto serralheiro de alumínios.
Comecei faz uns 4 meses a trabalhar como condutor internacional e nunca pensei conhecer pessoas e locais que tenho vindo a conhecer. Nunca pensei também vir a ter as saudades que tenho da minha mulher e da minha querida filha, a ponto, de até à pouco tempo (não sei se também pela pressão que estamos sujeitos) dar comigo a chorar (palavra que me é estranha!) . Pensei na minha filha e chorei pois lembro-me que o pai já não tem tempo para ela como tinha quando era mais pequena; a relação e os laços tornam-se mais fracos e distantes. Nestes últimos 4 anos pouco tempo tenho passado com ela. Até à pouco tempo estive 3 anos a trabalhar com a minha esposa em França. Penso daquilo em que um camionista fica privado: da família, do conforto sua casa e dos cozinhados e refeições em presença dos amados! Agora resta-me a retrete ao ar livre e uma casa de 4 metros quadrados! (Ate certas celas são maiores!)
Por entre dias e noites a pensar, chega-se a conclusão que somos reclusos de profissão! A média passada em casa são 4 dias mês mais as ferias a que temos direito. Durante os cerca de 15 dias em que viajamos tenta-se programar o tempo que se vai passar em casa e quando se dá conta esta na hora de partir e não se fez metade, vai dai e rouba-se tempo ao descanso que tanto nos faz falta.
Por entre domingos e feriados que não se podem trabalhar em França passa-se ora fechado na lata ou em convívio com colegas da mesma firma ou de outras. Encontra-se pessoal porreiro e outro ainda com quem não se pode ter um diálogo digno de gente sã. Indivíduos que acham que são os maiores, outros que tentam desabafar e acabam por ser chatos pois estão a encher a cabeça a pessoas que estão no mesmo barco. As conversas, quando não se fala de horários, camiões, clientes, trajectos ou de patrões, são ora de mulherese carros ou de futebol. A gente anda por necessidade não pelo gosto da solidão que passamos! Eu pessoalmente cheguei a conclusão que tenho de mudar de vida o mais rápido possível."