domingo, 26 de abril de 2009

Liberdade ou libertinagem? - Como é hoje…

“Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”, já dizia o intemporal lusitano Zeca Afonso.
Dizia-o dos mamões fartos em gordura que se alimentavam do regime à custa da pobreza e opressão do povo calado e cheio de fome.
O grande Adriano na sua canção do Emigrante comovia ao falar de um povo que parte em debandada, temendo ser caçado, condenado ao medo do silêncio e enjaulado numa vida sem pão. E Hoje? Mais que nunca, assistimos impávidos a tantos e tantos a fugir desta terra sem rei nem lei, onde uns engordam sobremaneira facil e outros enfezam, cada vez mais magros de tanto lhe chuparem o sangue fresco.
Pede-se espirito positivo e optimismo ao mesmo tempo que se impõe sacrificio pela pátria amada. Os grandes optimistas são os mesmos que no outro tempo chupavam o sangue fresco da manada, os que esperam engordar à conta do farto orçamento, os que vivem descansados e em folia desgovernada pois sabem que o seu emprego é hereditário. Não lhes é exigido sacrifício algum em alguma etapa da sua vida, afinal para que se esforçar se a grande vaca está barriguda e tem as tetas tão cheias.
Continuamos a ser o país onde não se premeia o mérito, o pioneirismo a inovação, o trabalho e o sacrífico. Dá-se tempo de antena à vida alheia e fácil, ao cão que mordeu o homem, à senhora que fez uns implantes mamários para ficar com umas tetas descomunais, engroçou os lábios ou fez uma lipoaspiração ao cu; mas não se dá espaço ao jovem investigador que faz reconhecidos avanços para o país e aufere um salário que mal dá para pagar as contas do mês. São mais uns futuros candidatos a emigrantes. Portugal continua a ser o país de emigrantes, só comparável aos países da Europa de Leste, da América Latina e da África. Só há pão para alguns neste canto.
“Tens mães que não têm filhos, filhos que não têm pais”, cantava do triste fado do povo português Adriano. Hoje há muitos filhos sem mãe, despojados para as escolas a quem compete servir de familia e ensinar, mas também há muitos pais sem filhos, abandonandos em casa, nos hospitais, em lares, nas ruas. Onde fica o carinho que precisamos na ultima etapa da vida onde voltamos a ser meninos! As crianças – que de crianças só têm a fisionomia e idade - batem nos pais numa total inversão de valores e normas de conduta moral.
Afinal, onde está a liberdade?
Não era esta liberdade que os seus mentores anseavam para o país, era a liberdade quase utópica com grande probabilidade de noutras condições ser real. Não era este o país que os cantores da liberdade sonhavam. Certamente que agora não seriam proíbidos de cantar mas, por outro lado, seriam ocultados.
A tão custosa liberdade transformou-se em libertinagem, uma liberdade incontrolável, num país onde é condenado quem rouba um cigarro mas fica imune o que rouba um volume inteiro. Institui-se uma justiça injusta, tão pesada que só favorece quem rouba, quem trafica influências e poder, quem assassina como um animal raivoso, quem não faz nada nem quer fazer. É isto que nós queremos? Ver os corruptos intocáveis, empoleirados a gozar com a raia miuda…Vê-los sair do tribunal com um sorriso cínico, cantando de galo pois sabem de antemão que nada lhes acontecerá.
Assim acabo a cantar “eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada..."

sábado, 25 de abril de 2009

Marcas de liberdade ou libertinagem?! – Como era antes…

Muito me foi contado pela vóz dos meus avós, do meu pai e de alguns idosos mais esclarecidos da minha aldeia acerca do 25 de Abril, estabelecendo sempre um paralelismo com a sociedade portuguesa contemporânea.
Ainda agora, não raras vezes, me passa pela cabeça uma pequena história que o meu avô Francisco me contava nas longas tardes e tardinhas que ficava a ouvi-lo junto ao aconchego da lareira, sempre bem icendiada por lume de pinho e cepos rugosos de medronheiro. Nós ali ficavamos acanhados em pequenos e rasteiros bancos de madeira de construção artesanal, com as chouricas penduradas num pau a tremelicar devido o calor que exalava da fogueira.
Sabes, noutros tempos apareciam coisas às pessoas que andavam por aí nas ruas e acolá, no cruzamento da Ramadas, cheguei a ver umas luzes miúdas a dançarem para cima e para baixo que pareciam umas centilhas. Eram as bruxas – dizia em tom exclamativo o meu avô.
O toque dos sinos marcava a transição para a hora da penumbra, do medo dos seres do além e das almas penadas. Não havia luz e o medo dominava tanto o feroz vavador de enxada, como o lenhador mais escorreito ou o homem mais ruim. A era das trevas do tempo moderno vivia-se no mundo rural, o mais profundo de todos os mundos, onde a estrada mais próxima para a cidade se apanhava depois de duas horas de caminho a pé, cortando bosques e campos de milho, vales profundos, moinhos e combaros esguios e altos.

Novamente o repenicar dos sinos mal se erguia o sol a raiar nas cabeçeiras dos vales trazia a inércia da vida e mais um dia longo, igual a todos os outros, de trabalho nos campos e a tratar do gado. Era o sustento da família e na aldeia, só a resina, o volfrânio na terra vizinha, já a caminho da serra, dáva trabalho aos homens. Outros ainda foram fazer umas jornadas na construção da lagoa comprida. Abalavam todas as segundas de madrugada com a saca das batatas nas costas calejadas e regressavam no sábado com uns tostões para comprar uma broa de milho e duas ou três sardinhas, proporcionalmente repartidas pelos muitos filhos em roda da mesa.
As couves, os figos e as miunças vendiam-se na praça de Loriga, onde o dinheiro ganho nos texteis permitiam uma vida um pouco mais citadina.
Muito me ri-o com a história que vos passo a contar. Certa vez o meu pai e uma prima, na altura os dois com perto de doze anos, sairam de casa por volta das três horas da manhã em direcção a Loriga, onde vendiam os produtos da terra atafulhados em duas grandes sestas de vimém entrelaçado, minuciosamente construídas pelo canastreiro da aldeia. O peso era grande e a distância também, contudo só tinham destinado uma paragem a meio do caminho para descansar o pescoço. Eram crianças com força de adultos…
Percorriam já uns quilómetros depois da aldeia deram conta que à sua frente iam uns primos, que iam rivalizar com eles na venda das colheitas. Se chegassem primeiro iriam ocupar o melhor lugar. Que deu na cabeça ao meu pai: - o melhor é pousarmos isto e arranjar maneira de os espantar. Que ideia vislumbrante, a minha prima levava um xaile preto feito em borboto, ou seja com um tecido cheio de pequenas aberturas e buracos largos e o meu pai aluniava o caminho com uma lanterna de carbureto. Envolveram o xaile sobre a lanterna, donde saiam espaçados feixes de luz muito forte e aproximaram-se dos outros que ao veram aquilo pousaram as cargas e desataram a correr monte abaixo até a aldeia, gritando “Santo nome de Jesus, Credo”, “Abrenuncia”, vimos uma alma penada na lomba e corria para nós. Durante semanas o medo voltou para ficar e atormentar o povo e a alma penada foi durante semanas o tema de conversa no final da missa, nas orações em familia e nos trabalhos do campo.
Aos domingos agradecia-se esta vida na missa e pela tarde jogava-se à pucarinha nas praças da aldeia, onde se juntavam as familias e os amigos, e os homens equipados pouco a rigor corriam no campo da bola, aqui e além com ossaduras de afloramentos de granito que queimavam as pernas nas quedas mais aparatosas.
Na escola, os meninos estavam separados das meninas, mas ambos respeitavam os regentes, que ainda utilizavam a menina de cinco olhos para quem não fazia os deveres e se portava mal.
Assim se vivia na aldeia, mais tarde rasgaram a estrada – que ainda hoje permanece com o seu trajecto e piso original, ehehehhe – e só passava um carro de longe em longe. Toda a gente saía à rua e os pequenos agarravam-se à traseira dos “calhambeques”para impedir que patinasse na curva da escola – conta o meu pai.
Havia medo dos bufos que ainda levaram algumas pessoas da aldeia a deporem na GNR, onde o meu pai também foi “apertado” em virtude de se encontrar a conspirar em grupo contra a amada pátria numa rua escura da aldeia. Lá tive que pagar uns reis para não lhe baterem – rematava o meu avô.
Vivia-se num mundo calado pelo silêncio do medo. Portugal era o país dos xailes pretos, do luto, do temor e da desgraça da guerra do ultramar. Não havia ideia de outro mundo e tudo se cingia ao que se via no horizonte dos olhos. Os dias eram longos e sucediam-se sempre iguais.

25 de Abril

Ó capitães valentes
Que vos levantastes do nada
Ai sem vós
Que seria hoje de nós!
Tombastes o monstro gigante
Não nos abandonastes
Desbravando audazes
Caminho adiante.
Oh cravo,
Que fado o teu afinal
Encravaste a G3
Do cano disparou liberdade
Ó Grândola Vila imortal
Ó gente de alma grande
De ousada valentia
Ó marco de ousadia
Santificado que nos livraste do mal
Bem Hajam!
Por não deixares morrer Portugal!

Joni

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Adriano, ontem, hoje e para sempre

Este parte, aquele parte e todos se vão. Faz hoje 27 anos que se foi o saudoso Adriano Correia de Oliveira, cuja alma encomendo aos bons cuidados de Deus.
Fazendo parte do núcleo duro de uma geração de ouro da história portuguesa, é um ícone da música de intervensão que combateu com duras palavras a ditadura que durante longos anos afligiu o nosso pequeno e aligeirado rectângulo.
Pena que para muitos jovens e algumas franjas da sociedade portuguesa seja um mero desconhecido. Ainda agora, segundo uma estatística da Sapo, apenas 36 % conhecem este simbolo da nossa história contemporânea. Até que nem é de estranhar pensando que há muitos jovens de dezoito anos que não sabem o que denomina a palavra foz e litoral, por exemplo (Para que precisamos de saber isso, ainda perguntam meios resignados). Também já houve alguns outros que não conhecem o Presidente da Republica e o Primeiro-Ministro.
Já matei o cerebro a pensar nestas questões um tanto simplórias e sem jeito, mas que me permitiram concluir que até é melhor nem o saberem, pois serão certamente pessoas menos preocupadas, logo mais descontraídas. Mas o que é de um povo sem conhecimento e massa crítica. Um povo cordeiro. Nada, pois claro.