sábado, 27 de setembro de 2008

Em terras de sua Majestade

Nem mais nem menos, acabo de terminar mais uma viajem, desta com ida e volta para os reinos de sua majestade.
Abalei segunda-feira de malas aviadas para Birmingham mais precisamente Tamworth. Como ia para Inglaterra decidi recordar profundamente os meus velhotes Cd,s dos Pink Floyd, e das músicas que durante a minha juventude (e ainda hoje eriçam os finos pelos dos meus braços. E fui…num estado sublime de musica sentimental que decerta forma eleva a alma a um estado quase metafísico tal a força dos seus acordes e tons. Fui..
Primeira paragem para dornir: Araia. Atestei os depósitos do Virgolino dormitei e sonhei como eu imaginava a Inglaterra até às 7:00, altura em que as pestanas se afastaram e me dei conta que existia um mundo real. Arranquei, na hora do almoço cozinhei umas deliciosas moelas com arroz acompanhadas de uma saladinha de tomate e pimento com muita cebola e um pouco de pepino e só parei às 19: 00 para dormir numa área de serviço ainda afastada de Calais, onde já tinha lugar marcado no Ferry para realizar a curta travessia do canal da mancha (houve agora um Suiço que o passou com os foguetes nos braços imitando as primeiras tentativas de navegação aéreas. Foi até onde deu o horário, e também porque era um lugar ainda afastado de Calais, onde reside o perigo iminente dos clandestinos tentarem entrar nos camiões para chegarem à almejada Inglaterra. Há histórias de alguns que tentam à 6 anos passar para a ilha. São histórias de miséria profunda, de jogos perigosos com passadores, de fome, frio…
Também haverá muita conivência há de pessoas envolvidas na travessia dos barcos, caso contrário não passariam tantos como ainda passam.
Estava eu na zona de entrada para o Ferry e a polícia a mandar-me desviar dos controles. Isto é, há uma espécie de túnel onde passam o camião e a carga a pente fino, incluindo com instrumentos de detecção de dióxido de carbono, mas mandam desviar-nos para passarmos directamente para o barco, agora não sei se para ser mais rápido ou se por outros motivos. Se nós não formos ao controle e chegarmos a Inglaterra com um clandestino iremos para o Xadrez e ficamos condenados a pagar avultadas multas. Até nos eixos dos camiões se tentam meter, assim como nas galeras frigoríficas onde só não falecem porque começam aos abanões e murros na fibra das paredes. Houve casos de mortes com hipotermia. Falta saber de quem é a culpa?!!!!! Dos camionistas penso que não, decerto nenhum quer arriscar prisão e pagar multas que os deixariam na penúria….
E prontos, fiz a travessia sempre na proa a apanhar o ar fresco e húmido da brisa marítima, uma verdadeira delícia.
Quando cheguei ao outro lado começamos logo a circular pela esquerda, na primeira rotunda ainda passei por cima do passeio, eehehehehe, não dei o devido desconto para a direita, lol. Depois disso, foi sempre a dar ferro com o Virgolino. Só Londres demora 1 hora e tal a passar… Mas os Ingleses são civilizados, pois mal ligamos piscas para fazer uma ultrapassagem ou entrar numa via e logo batem luzes para entrarmos esperando que a manobra se realize sem buzinas ou tentativas desesperantes de passar. Se assim fosse em Portugal certamente haveria menos acidentes, mas não é, bem pelo contrário, não nos deixam meter e ainda apitam, mas também quando se esquecem do comprimento dos camiões nas rotundas e ficam apertados no ângulo morto já apitam pedido clemência ao camionista…
Gostei do cheiro da Inglaterra, cheira a verde a natureza e a mar. E não é como dizem, não vi nevoeiro, ao invés, apanhei um sol radiante e reluzente. Ainda combinei um encontro com o meu amigo Amaral mas não foi possível devido a desencontros de horários e distâncias. Mas gostei, embora ache que os ingleses deviam começar a melhorar os acessos às industrias, uma vez que algumas ainda ficam no centro de bairros com acessos horríveis e sem condições para carregar, por exemplo cargas que bem poderiam ser descarregadas em cais são descarregadas de lado dando o triplo de trabalho e demorando tempo desnecessário.
Mas lá vim de novo para França onde carreguei mais uma vez batatas para a Lourinhã, sem que antes passa-se um fim-de-semana em pleno na área de serviço de Le Muret, na recta de Bordeus, onde os que não eram portugueses eram de leste. O arroz de lulas é que estava um pitéu ó ti Ramiro!
Acabei por descarregar as batatas e carregar para Hamburgo onde deveria descarregar na próxima terça, era então quarta-feira. Mas já não vou…
Abraço forte

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Leituras...

Neste momento encontro-me embrenhado na leitura de um livro do Paul Auster: “Pensei que o meu pai era um Deus”. A única palavra que me ocorre assim repentinamente para classificar esta obra é MAGNÍFICA. Ou seja aquilo que é magno, maior, superior.
Esta obra compõem-se de um vasto número de histórias reais com algo de estranho, coincidências mirabolantes, sobrenatural e simbólico no estado mais real da vida humana.
Comecei a ler e não consegui parar, parece que fui engolido por uma fome devastadora e devoradora de histórias.
São histórias contadas na primeira pessoa, contadas por pessoas comuns que assistiram a situações veramente invulgares e carregadas de simbolismo, onde retratam o “coração mais profundo da América”.
Aconselho vivamente…

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Não estou longe

Bem longe vos escrevo
Contando as aventuras desta vida
Às vezes digo-vos alegrias
Outras, falo-vos de misérias
De verdades que doem

Assim ando longe
Mas sei que não estou só
Estão aí desse lado
Rindo das minhas confidências
Do que aconteceu hoje
Do Virgolino e deste fado

Escrevo sobre mim
Mas não quero ser egoísta
Transmito sobre linhas desta vida dura
Guiando a vida por uma pista
Assim…
Sei que nunca estou só

Aconteceu em Madrid

Às uns dias atrás sonhei, sonhei muito e por longas horas. Quando tirei o corpinho da cama e me espreguicei furiosamente doía-me a caixa pensante de tanto sonhar e tornar a sonhar.
Fiquei só com o Virgolino na AP 6 entre Sanchadrian e Madrid. Todos os carros, motas, caminetas, autocarros e camiões ficaram assim, parados num ar que se lhe deu. Olhei para o interior nem uma mosca quebrava o misterioso silêncio. Estranho, digo eu meio atemorizado. Que monotonia. Até o carro patrulha da Guarda Civil estava ali imóvel, rádio e CB abafados pelo silêncio. Apenas os bonés pousados no tablier do carro e umas papeladas no banco de trás…
Mas que fila longa nas duas vias de circulação da auto-estrada, nunca vi tanto carro amontoado na minha vida, porém também nunca assistira a tanto silêncio, uma espécie de surdez. Só eu no mundo. De repente nem os telemóveis funcionavam, liguei e tornei a ligar e nenhum sinal de ninguém. Mas para onde foram todos. Parece que partiram para outro planeta ou foram aprisionados por uma nova ordem mundial de força e levados para outros confins…se calhar foram capturados e tornados escravos dessa ordem obrigando-os a trabalhar arduamente num planeta árido a partir pedra, sempre guardados por gigantes e mal encarados monstros de dentes amarelados do podre e olhos salientes e esbugalhados.
Afinal porque só me deixaram a mim no mundo. Às tantas não me viram…
Tocou o telemóvel. Era o despertador. Gosto de acordar ao som de música.
De repente comecei a ouvir os carros a assobiar ferozmente e a rolar pela estrada para cima e para baixo. Percebi então que estava a dormir e acordei de um estranho pesadelo. A primeira notícia que escutei no rádio dava conta de um terrível acidente no aeroporto de Madrid onde tinham perdido a vida cerca de seis dezenas de pessoas.
De facto algo estranho tinha acontecido em Madrid…

In der Lacke

Assim se chama a localidade onde vou carregar amanha para Palmela. Pela primeira vez, desde que trabalho nesta empresa vou directo para Portugal sem fazer triângulos em Espanha (rogo para que assim seja).
Mas bem, para aqui estar descarreguei em Aranda do Duero e carreguei em Vitória para Colónia. Assim na terça abalei de Portugal apontado para Sancti Spiritus onde já tinha um café agendado com o Simões e atestei os depósitos do Virgolino para não ter sede durante a viagem. È quase como os camelos, tem uma reserva para uns dias longos, eheheheh.
Daí só parei no cliente, onde depois de 4 horas de desesperante espera me descarregaram. Fui jantar a um restaurante onde comi o quis por 10 aérios, comi quase como um alarve, parecia que de repente fui atingido por uma ira de gula, logo dois temerosos pecados juntos.
Na subida para a Alemanha combinei mais um encontro com o Verdinho que já não via fazia quase dois meses (vou-vos fazer uma confidência: o Verdinho vai para deixar esta vida e trabalhar para França onde já o espera a mulher). Bebemos um café e entretanto chegaram dois colegas que me fizeram companhia até Paris, onde fizemos o tacho e pernoitamos. Uma boa caldeirada de peixe regada com vinho do Dão veio mesmo na senda do apetite desconsolado. Qualquer dia pareço um bisonte.
Amanheceu e parti para Colónia, onde de repente parecia que tinha chegado à Turquia. Onde descarreguei, pleno Porto de Colónia era só Turcos a trabalhar, inclusivamente nos escritórios da empresa. Descarreguei sobre uma cólera de chuva gelada e fui dormir debaixo de umas árvores logo ali à frente. Só quando acordei me apercebi que do outro lado do rio ficava o centro de Colónia. Era cedo e já andavam os alemães a correr, dar umas voltas de bicicleta e passear peludos cães. Uma coisa me “importunou” o famigerado sono no cair da noite. Em Colónia vive-se seguro e sem medo. Eram umas onze horas e as pessoas passeavam descontraidamente e solitárias ao longo das margens do rio. Em Lisboa não se aconselha ninguém a andar sozinho na rua por estas horas.
Tive pena de já ter ordem de carga para In der Lacke, donde vos escrevo. Aí teria oportunidade para conhecer Colónia e ver as loiras.
Porém estou em In der Lacke sozinho à porta da fábrica visto que por aqui não há nada para ver a não ser o rio que serpenteia por estes vales. A estrada para cá chegar fez-me lembrar a subida para as Corgas, sinuosa e estreita. Houve uma localidade pelo meio bastante bela: Altena. O centro fica mesmo enfiado no fundo do vale do rio, onde o casario acompanha o seu curso.
Confesso que foi a forma de por a escrita em dia e preencher os relatórios de viagem que arrasto de viagem para viagem. Ainda tenho na ideia dar uma arrumação ao Virgolino.
Mas antes vou ali comer um bife de vaca que tenho a descongelar.
Até para a semana que se Deus quiser hei-de estar em Portugal a beber um copo…ou dois….

PS: Enquanto vos escrevi deliciei-me a ouvir êxitos dos anos 80, lembram-se de The Best – Tina Turner, Fade to Gray – Visage, Girls on Film – Duran Duran ou Cambodia Kim Wilde.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

The Story

Uma das músicas maravilhosas da actualidade, daquelas que traduzem na realidade um verdadeiro estado de alma...


All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you

I climbed across the mountain tops
Swam all across the ocean blue
I crossed all the lines and I broke all the rules
But baby I broke them all for you
Because even when I was flat broke
You made me feel like a million bucks
Yeah you do and I was made for you

You see the smile that's on my mouth
Is hiding the words that don't come out
And all of my friends who think that I'm blessed
They don't know my head is a mess
No, they don't know who I really am
And they don't know what I've been through like you do
And I was made for you...

Brandi Carlile
Composição: Phil Hanseroth

Tudo acabou na piscina

Enquanto a maior parte da malta descansa em férias eu cá vou viajando pelas faixas negras da Europa com o meu Virgolino. Não é que faz hoje quinze dias arranquei eu para Madrid para ficar logo encalhado na AP6, por ocasião fechada a camiões…Nunca vi tanto carro a passar numa estrada na minha vida. Pareciam uma interminável bicha de formigas obreiras. Bem o melhor é deitar o belo corpinho na cama e dormir. Descarreguei ao outro dia e fui para Barcelona para fazer as outras entregas. Recebi ordem de carga para Zaragoça onde aconteceram mil e uma coisas. Primeiro, quando retirava o carro da cais enfiou-se um tubo que descaiu do reboque entre o meio do trator e o chão. Foi um mar de trabalho para o conseguir retirar. Se não fosse um tipo que só me parecia o Bob Marley ainda agora lá estava. Eu farto daquela trabalheira e o tipo só se ria não deixando de ser uma figurinha com o seu nariz achatado e largo e as longas rastas a caírem sobre a sua cabeça oval.
Entretanto como na queda do tubo se estragaram as entradas de ar do reboque e uma vez já num parque ali ao lado um espanhol ofereceu-se para me ajudar e a verdade é que o nuestro hermano percebia mesmo de mecânica.
Pronto, fui depois em direcção a GenK e dai para Bruhl para carregar à noite já sem horário. Não fosse o Simões aparecer por lá e não sei como teria sido, ainda lá estava.
Daí viemos sempre os dois juntos até Valladolid onde descarregamos os dois. Ele dormiu no parque da fábrica porque ia descarregar de manhã e a mim obrigaram-me a dormir cá fora pois só descarregaria à tarde. A carga é para eles, se a roubarem a responsabilidade seria-lhe atirada à cara. Quando me viram a entrar lá com umas cervejas ainda tiveram a lata de perguntar se eram para eles (seguranças) ao que eu os mandei levar onde levam as galinhas.
Passou-se, descarreguei e carreguei para subir mas troquei de reboque pois estava no meu direito de vir a Portugal.
Levei 25 toneladas de batata para a Lourinhã. Nunca vi tanta batata junta na minha vida como as que estavam no armazém onde descarreguei. E para chegar ao cliente. Nem vos conto nem vos falo as voltas que dei. Subi uma ladeira com alguns 7 % de inclinação andei em becos tão apertados que os velhos e crianças abeiraram-se todos para ver o Virgolino triunfante na sua passagem por mais este insólito. No final passei a mão na testa para limpar o suor que escorria pela testa abaixo criando o intenso ardor nos olhos. Mas estava feliz porque este fim-de-semana estreei a piscina da minha aldeia, uma obra magnifica fruto do persistente trabalho da Comissão. O lugar é óptimo, soalheiro e airoso e a vista é deslumbrante e longa.
Depois tiro umas fotos para verem…
Bye