sábado, 7 de novembro de 2009

O caso das insólitas botas de pescador

Aproveitando o raior do sol hoje fui à praia passear, deixando por lá o testemunho das minhas pegadas número 41 que o vento e a água se encarregarão de apagar rasto. Ficam no entanto enraizadas na minha cabeça algumas imagens insólitas que só o correr do tempo e a chochice na velhice fará desaparecer.
Não foi o mar que me ficou na retina, os montes de esqueletos dos bivalves, as estrelas do mar secas, nem tão-só as gaivotas de tenra idade que chilreavam rasando estrondosas sobre a capa da água que hoje se encontrava acalmada pela ausência do vento. Algo, porém impulsionou em mim alguma saudade da minha aldeia e dos tempos antigos. Um par botas de pescador altas até ao joelho.
Nem mais nem menos, foi esse o rastilho responsável pela detonação da espoleta.
Lembrou-me que as primeiras botas do género que vi foi na minha aldeia por volta dos meus saudosos 10 anos. Alguém que vivia a beira do mar ofereceu essas esquisitas botas ao meu tio Zé Mendes. O impoacte foi tão grande como hoje alguém aparecer no largo da ponte de Ferrari.
Na aldeia, toda a gente, inocentemente, comentava que o Zé Mendes tinha umas botas de cano até ao cimo das pernas quase a roçarem as virilhas. Ele é um homem muito alto, daí a alcunha Zé grande.
Foi tanto o falatório que já havia quem insinuasse aos ouvidos do vizinho que tal objecto era proibido e pedia-se a Deus que os guitas não passassem pela aldeia e apanhassem o homem com o raio das botas enfiadas pernas acima.
Aí se o apanham, que vai ser dele – corriam as palavras pelos ventos mais frios desde a Malhada Urraca até ao Casal de Cima.
Eram tempos inocentes e a crença no respeito imperava nas aldeias recônditas na Serra da Estrela onde umas simples botas de pescador podiam gerar o boato da semana. Vivíamos no rural profundo, rodeados por pinheiros, castanheiros e extensos campos de socalcos, alguns largamente amplos outros mais esguios.
Havia um homem que por vezes me confrontava com a ida à lua, pois se o Homem já lá tivesse posto os pés todos os capitalistas já teriam lá ido também – confidenciava.
O ti Zé Grande tem hoje 84 anos e ainda tem as botas penduradas na adega, mas a GNR nunca apareceu a perguntar por elas.