sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Adeus

No momento em que escrevo estas palavras brotam lágrimas de saudade dos meus olhos. Ponho aqui um ponto final na história de Joni e do inseparável companheiro de longas jornadas pelas estradas da Europa, Virgolino.
Correm como que se de um rio se trata-se. São lágrimas carregadas de histórias de momentos únicos que só quem anda nesta vida sente na pele e compreende. Durante muito tempo pus em causa a palavra de muitos colegas que afirmavam afincadamente que custava a começar nesta vida dura, mas que com o correr do tempo se tornaria um vício suculento. E é verdade, confirmo-o, custou a começar mas ainda custa mais a largar. Sobretudo porque passamos aqui momentos e situações que não são passíveis de acontecer em qualquer outra profissão. Se a tropa faz um homem as caminetes fazem um Homem. É aquele bichinho que não se esquece. È uma espécie de veneno com antídoto raro de encontrar.
Muita gente anda por necessidade, e acredito que sofram imenso, não só pela vida dura que é, mas principalmente da ausência temporária das pessoas que amam, porque não é fácil fazer vida de nómada, longe de quem mais se ama.
Eu aprendi mais da vida num ano de motorista que propriamente em quatro anos de faculdade, em que passei horas e horas a ouvir uns senhores supostamente muito sábios a ler sebentas senis e amarelas e proferir citações pomposas de grandes autores.
Aprendi a dar valor à vida e ao trabalho, a apreciar os valores e as mais pequenas coisas da vida, aprendi a dar valor ao que normalmente se despreza e acima de tudo aprendi a dar valor a estes homens corajosos que cruzam todos os dias as difíceis estradas da Europa.
Dormi num camião, fiz dele a minha casa, cozinhei e tornei-me mestre na arte de cozinhar ao ar livre, conheci sítios, conheci imensa gente, apreciei diferentes modos de ser e de estar. Não vi televisão e não me fez a mínima falta, mas li muito e muito aprendi.
Custa sempre uma despedida e não me contenho neste momento. Choro como uma criança. Há praticamente uma semana que não durmo sossegado, sonho com as viagens, sonho que estou a acordar em Paris, Ashford, Colónia, Antuérpia, Breda.
É difícil voltar à vida comum. Já tinha perdido os hábitos. Já nem conduzir o meu carro sei, ando com o manípulo das mudanças de um lado para o outro à procura das altas e das baixas, fixo o dedo polegar para cambiar a overdrive…
Voltei a fazer uma coisa que pensara nunca mais tornar a fazer: dar aulas de Geografia. Agora tenho mais conhecimento de terreno é certo, mas da mesma forma me desiludo mais com este sistema ultra burocrático de papeladas e mais papeladas e ainda mais papeladas. Ando estoirado de tantos papéis, relatórios, papeis para tudo e mais alguma coisa. Acho que quem se vai aguentar no ensino não serão os bons professores, que gostam de dar aulas a sério, serão os resistentes à burocracia. Perco noites de volta de leis e papeis que me consomem e tiram tempo para o que realmente interessa – transmitir conhecimentos, formar pessoas para a vida… (neste momento precisam é mesmo de muita formação pessoal, de assimilação de valores básicos…)
É triste que assim seja…
Se algum dia estas palavras chegarem lá ao cimo, certamente não terei futuro a dar aulas, pois digo a verdade, o que sinto, que certamente importunará muita gente. Serei mais um a arrumar porque não sirvo o sistema. Não estou preocupado, porque estou habilitado para muito e não sirvo para obediente ao insensato e facilitismo.
Agora que estou no fim, resta-me desejar que a partir de então respeitem a vida dura destes homens e mulheres que dia e noite fazem da estrada a sua casa, que movimentam o mundo correndo de terra em terra, de país em país, sempre com o coração na mãos de Deus e o pensamento nos que deixaram para trás…e tanto amam…
Adeus….
FIM

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