quarta-feira, 17 de junho de 2009

A poucos metros da Torre Eiffel

Já meço aos metros o tempo que não vos conto mais uma das inúmeras aventuras que passei pelos grandes domínios das estradas da Europa. Novas, senis, largas, estreitas, rectas, curvilíneas, perigosas, imponentes, com portagem ou sem portagem, constituem no seu conjunto uma malha de vias que unem os mais variados e recônditos lugares da Europa. É a rede rodoviária europeia.
A primeira vez que passei Paris, virado no sentido Lille não foi difícil porque já havia realizado esse trajecto como segundo condutor. Houve alguns pontos de referência que ficaram gravados no meu disco rígido, por isso bastou tão-só juntar as peças do puzzle.
Porém, no sentido inverso já não me posso gabar desse feito e o resultado traduziu-se em cerca de duas longas horas perdido em Paris.
Eram cerca de 22 horas portuguesas – 23 por aquelas bandas da Gália – triunfava eu ali pelos túneis do Aeroporto “Charles de Gaulle” com a certeza que tinha chegado a Paris, avizinhando-se brevemente a travessia da cidade. Tinha duas opções: A 104 - La Francilianne - ou a 86. A primeira é uma espécie de via de cintura externa, mais longa, ao passo que a segunda atravessa pelo meio de Paris, ganhando-se em tempo e distância (quando o trânsito não é muito intenso).
Não tinha GPS e restava-me como auxilio um atlas da Europa, rico em área cartografada mas como muito pouco pormenor. Todos os colegas me tinham dito que ao “descer” para Portugal deveria seguir sempre a direcção Bordeaux.
Enfim, no inicio até parecia ser fácil porque não faltava sinalização por aquelas bandas; porém, quando surgiu a indicação 104 nem pensei duas vezes e meti-me no seu encalço. Bom agora que tinha afectado esta via era só ir em frente e brevemente estaria fora de Paris, onde tinha previsto pernoitar.
Não foi assim tão simples e fácil pois não tardei apercebi-me que tinha optado pela direcção oposta da via, e, sendo assim, deslocava-me a passos largos para Versalhes. A estrada, mesmo no rosto da noite, tinha alguns encantos para a vista mas eu teria que fazer um desvio rápido antes que a coisa azeda-se. Logo que tive hipótese saí, não me apercebendo na alhada em que acabara de cair. Havia uma sucessão de rotundas que apontavam para a 86, e o Joni não fez mais nada senão encetar por essa direcção. Contudo, quando me vi a cortar bairros residenciais, quarteirões de prédios e avistei a Torre Eiffel não foram poucos os arrepios e a adrenalina que me correu pelos membros. Ainda hoje digo convictamente que a sorte foi andar por ali um camionista português a horas mais mortas, quando não seria um caso sério para sair dali.
No final das contas feitas, andei perto de duas horas às voltas dentro de Paris e só caí na realidade quando avistei a indicação para a RN 20, a apontar para Orleans.
Uma vez a circular nesta via o cansaço já me dominava de tal modo que comecei a ter alucinações. Parecia que via pessoas a atravessar a estrada e paralelamente a faixa de rodagem caiam grandes troncos de madeira. Mas o momento celestial culminou quando o pequeno terço – pendurado no pára-brisas - que a minha avó me deu se projectou, agigantando-se de uma ponta à outra da faixa de rodagem. Pensei que tinha enloquecido de vez e nunca mais seria normal.
Não aguentei mais e assim que apareceu um pequeno parque maluco paralelo à via em que seguia encostei. Não tenho lembrança de me deitar e apenas acordei já o sol se erguia à umas boas horas acima do horizonte.
Marcava dez horas da manhã no relógio digital do incansável Virgolino.

2 comentários:

Luiz Alexandre disse...

Uma das coisas boas da Internet, apesar de muito se falar da “solidão dos internautas”, é que se pode comunicar com muita gente diferente, compartilhar perspectivas e pontos de vista diferentes, aprendendo, enfim, que o mundo é um lugar muito vasto e está povoado de seres muito diferentes entre si, apesar das evidentes semelhanças exteriores, que pensam e vêem de forma diferente, embora com uma base comum, que é a capacidade de se entenderem através de diversas formas de linguagem.

(Uff! Grande frase… até cheguei cansado ao final…)

Gostei deste link para o “rincón rosa”. (É sempre agradável ver que esta profissão não está reservada àquele estereótipo do camionista machão, arrogante e inculto. Existem poucas mulheres nesta profissão. Mas as que estão sabem perfeitamente (e são disso a prova viva) que não é tão difícil assim uma mulher ser camionista.) A autora deste blog criou, em pouquíssimo tempo, um espaço agradável e interessante.

Agora aquela travessia de Paris… Não deve haver camionista que não tenha passado, até mais de uma vez, por situações semelhantes. E comecei o comentário a falar das “diferentes perspectivas” precisamente por causa da referência a Paris. Quando se ouve o nome desta cidade, tem-se (ou tem a maioria das pessoas) a visão estereotipada da capital do luxo e da cultura, enfim a Cidade-Luz, sonho e miragem de todos os artistas de todas as partes do mundo.

Mas, para um camionista, qualquer referência a Paris, em vez de lhe alegrar o semblante, provoca-lhe antes uma careta de desagrado. Paris é geralmente, para um camionista, um contratempo impossível de evitar, um desafio quase sempre perdido contra o tempo. Pode fazer-se a travessia em meia hora, de madrugada, mas também pode tornar-se interminável, nas horas de ponta.

Eu costumo perguntar-me porque é que Paris (e muitas outras cidades) tem de ser o ponto de passagem obrigatório de todos os percursos de longa distância. Que terão de fazer, no meio daquele trânsito caótico, todos os camiões que se dirigem para o norte ou para o sul da Europa. Não seria conveniente a existência de vias que servissem exclusivamente o trânsito de longa distância, mesmo que a sua construção se tornasse demasiado onerosa para os locais? Podiam muito bem ser financiadas a nível comunitário, pelo benefício geral que trariam, em termos económicos (maior rapidez e menores consumos) e ecológicos (redução e desconcentração das emissões de CO2).

E a gente, quando quisesse visitar Paris, até lá ia de propósito e com todo o gosto… e os parisienses, nessa altura, sim, iam agradecer a nossa visita!

(E fico por aqui, pois estou a alargar-me.)

Aquele abraço!

SusanaSousa disse...

Acho que já tinha ouvido esta história Ahahah
Realmente, com alucinações dessas, mais vale encostar e dormir. LoL
Daqui a uns tempos sou eu que faço esse caminho, talvez...
=)