domingo, 14 de dezembro de 2008

Faz hoje um ano!

Arranquei trémulo e inseguro do parque em direcção às estradas da Europa faz hoje um ano. Trata-se de um momento carregado de nostalgia que nunca irei esquecer na minha vida – espero que longa, eheheh. È inelutável este passado que faz parte de um período importante da minha existência. A força que pode levar um homem a fazer qualquer coisa foi a mesma que me moveu durante longos meses.
Arranquei primeiro receoso mas rapidamente se tornou numa verdadeira aventura por um mundo diferente, infelizmente deturpado aos olhos de alguns que se assumem como deuses santificados pela inteligência, mas que no fundo se tornam ignóbeis quando manifestam opiniões destorcidas de algo que não conhecem, senão vejamos o que encontrei numa das minhas pesquisas e que não posso deixar de vos mostrar, pelo grave que é:

«De há uns dias para cá que tenho assistido a uma greve prolongada dos camionistas portugueses e espanhóis, o que sinceramente não compreendo. Se há alguém que deveria fazer greve, deveriam ser os próprios camiões e não os camionistas. Aguentar com um brutamontes de manga cava, palito nos dentes, mau-hálito, chapéu do Benfica e posters misteriosamente usados da Pamela Anderson não é para todos os veículos. (…)Será que já se cansaram de fazer horas ilegais ao volante e agora querem cumprir a lei? Será que vão deixar de transportar mais do que aquilo que deveriam não estragando, assim, as estradas? Será que vão deixar de exceder os limites de velocidade diminuindo a sinistralidade rodoviária? Será que estão contra a sua própria conduta arrogante de quem manda no asfalto?»
In http://andrefilipereira.blogspot.com/2008_06_01_archive.html

Isto é típico de quem pensa que sabe e não sabe do que fala, pois se se considera assim tão inteligente deveria saber que só alcançamos o estádio máximo da inteligência e desenvolvimento da personalidade quando temos a capacidade intelectual de nos colocarmos no ponto de vista dos outros. Aliás, são pessoas como esta que provavelmente apitam sem razão em Lisboa quando o sinal está vermelho ou que ultrapassam e quando retomam a via travam quase a fundo porque no local está um limite a 80 e com medo da multa decide travar bruscamente até aos 50. São estas pessoas que não sabem que um pesado nem sequer dá mais de 90. Por outro lado, fui motorista TIR e todos os dias tinha muito cuidado com a minha higiene pessoal como quase todos os companheiros da roda têm, desde tomar banho sempre que possível, a lavar os dentes diariamente; não somos nenhuns brutamontes e as camisolas cavas não são apenas os camionistas que usam, aliás nem sei como se pode julgar alguém por usar camisola de manga cava, se bem que até dá muito jeito no Verão.
Por fim, culto é aquele que sabe criticar e não o que pensa que sabe criticar. Não é preciso estudar para se ser culto basta saber o que é a vida além do sofá, da cadeira de escritório e do ecrã do computador.
Tudo isto para vos dizer que prometi aos meus colegas que os iria defender, porque ser motorista Tir não é Curtes, Viagens e Putas, é um modo de vida como outro qualquer, um ganha-pão sem o qual o mundo não gira e nem um rolo de papel higiénico sobraria para limparem o cu.
Já descarreguei.
E fui Europa dentro transformando-se o medo em coragem e força de viver. As dimensões exigiam cuidado triplicado e com afinco lá fui sorridente e bem-disposto. Ficara admirado com o mundo que se vê lá fora, tudo tão diferente mas nunca perdendo o orgulho pelo meu país (daí as bandeiras e cachecóis). Outra coisa me deixou estupefacto, por todo o lado circulam tugas, milhares e milhares e às vezes até pensava: Portugal é um país tão pequeno e todos os dias são centenas e/ou milhares os camiões a entrar e sair. A viagem para a Itália é magnífica pois no curso acompanhamos sempre o mediterrâneo, umas vez quase a tocar-lhe delicadamente outras no encale do horizonte longínquo. O sul de França é algo de belo e extraordinário, com paisagens deslumbrantes, onde as montanhas verdejantes se abraçam abruptamente ao mar. A descida pela C25 até à Jonquera é um misto de adrenalina e poder com a neve a cobrir desde os cimos dos mais remotos montes até aos largos ou apertados vales dos sopés. Fazer comida ao ar livre com o frio é duro mas logo nos habituamos e o que interessa é não andar a lume de palha, porque para se aguentar tantas horas ao volante é necessário estar muito bem fisicamente. Dormir num camião também era algo com que já tinha arreliado o pensamento, mas é muito confortável, além do mais com o aquecimento está-se quentinho. A primeira refeição foi umas batatas cozidas com ovo e bacalhau e com o frio que estava até aconchegou a alma. Bem azeitadas, uiui. Que delicia.
Os camiões desde a Jonquera até vintemiglia – fronteira da França com a Itália - não despegam num comboio ininterrupto de milhares das carruagens.
A entrada na Itália não é aconselhada a claustrofóbicos ou malta com vertigens, os túneis sucedem-se e as elevadas e medonhas pontes passam por cima de cidades inteiras. Uma vez dentro das vilas e cidades, as quelhas abundam e são preciso manobras milagreiras para chegar a alguns clientes. Aliás andamos quase 20 minutos para tirar o camião de um armazém, entrou bem mas teimava em não sair sem atirar nenhum muro ao chão.
Seja como for este país é um verdadeiro festival de paisagens, então no Inverno, vestida de uma celestial e alba camada de delicada neve. Fiquei abismado pois até junto ao mar o branco estendia o seu reinado, mesmo do lado do adriático. Só não gostei dos condutores, são um perigo, não há sinalização que valha e seja respeitada. Ao arrancar num semáforo temos que ter cuidado com as lambretas que se cruzam agilmente na nossa frente. Por seu turno, furioso o vento abanava ferozmente cabine e galera.
Par cá foi a continuação neve até França e, posto isto, céu com abertas radiantes entre ferozes chuvadas. De novo em Espanha, já faltava pouco para estar novamente em casa para passar o Natal.
A partir de então sucederam-se as idas e os regressos.
Bem – haja por me aturarem por aqui.

4 comentários:

JULIO MENDES disse...

oh jony, quem me dera passar pela mesma experiencia que tu. conhecer paises, conduzir, enfim, ando numa mare de azar, a ganhar 300 € e multas, está complicado isto por aqui. mas pronto, roda no ar. até breve uma abraço

AmSilva® disse...

Bom relato!!
escusado será dizer que apenas agora descobri este canto, aliás até porque o tempo para navegar nesta banda não tem sido muito.
Pergunto-me se será o mesmo Joni do "Vilas", mas assim penso.
è também verdade que, digamos 98% das pessoas não fazem a minima ideia do que é um camião e todo o mundo que o envolve, mas "temos" de os perdoar, ou como quem diz: Perdoa-lhes porque não sabem o que dizem!

Boa continuação, boas viagens!

Joni disse...

AmSilva,sou o mesmo Joni do "Vilas".
Já não ando em viagem mas sou um leitor assíduo dos blogs de camionistas que também descobri por aqui, estou sempre à espera de mais notícias...
Agora a minha tarefa é defender um mundo muito incompreendido e tantas vezes deturpado imerecidamente...
Boas Viagens companheiro

AmSilva® disse...

As pessoas têm por hábito condenar o que não conhecem, é a maneira mais fácil que têm de passar ao lado, de outra forma teriam de enfrentar a vida...