sábado, 1 de março de 2008

A propósito de uma bifana na feira semanal de Seia

Para quem assim não tem ideia, um camionista que se preza, além das funções intrínsecas de condução e correcto tratamento da carga, tem os afazeres próprios das gentes normais, que vivem em casa, entenda-se.
Estava a preparar um bacalhau com batatas cozidas e ovo no meu camping e eis que me lembrei das vezes em que consolava o meu insaciável e absorvedor omnívoro estômago com uma tenra bifana que me levava às quartas-feiras, sempre que podia, à feira de Seia. Sim, por vezes quando me encontrava por perto ia de propósito com esse insólito objectivo. Que saudades tenho de ver um senhor de peles já algo moles e pernas arqueadas no sentido convexo, sabem ao invés do típico jogador de bola, a mexer e remexer vezes sem conta a carne cortada fielmente em tiras finas, algumas das quais bem poderiam servir para proteger os olhos no caso de haver por ocasião de coincidência um eclipse solar, hehehe. Mas sem que me desvie, lá estava o homem de volta da carne, que no próximo passo rotineiro era lançada no inferno quente de uma frigideira fusca no seu lado exterior mas capaz de dar conta de quantas bifanas desprotegidas lá caíssem. A servir, estava uma rapariga com ar jovial, mas também pouco ossuda embora astuta e escorreita no trabalho que lhe estava talhado ali. Respondia com prontidão e desafio a todas as bocas maliciosas que por vezes saiam de alguns carrascões azeiteiros que por hora ocupavam parte do seu nada fazer diário.
E enfim, não é que as efémeras febras caíam que nem gingas, envolvidas por uma Heide de tamanho assinalável.
Tudo isto para relembrar que daqui a uns tempos não vamos puder comer deliciosos petiscos nas feiras, festas e romarias de Portugal, porque em Espanha continuo a repastar em lugares de pouco luxo mas com prezado cuidado na arte do bom sabor.
Esses senhores de aspecto espartano, estão tacitamente convictos que vão acabar com os bons costumes portugueses tão rápido como uma rapidinha, perdoem a metáfora.
Mas não, espero. Eu tenho pena de não voltar a gargarejar o bagacito do tio Manel ou ou cristalino vinho do senhor Inácio.
Pois é, sim deve haver controlo, e rigidez, mas não se deve enveredar por o caminho simplificado do exagerado auto fácil, sinónimo de exemplar trabalho para os senhores do poleiro que descansam bebendo o seu conhaque e inalando o aromático charuto manufacturado por mãos limpas mas comercializados por cérebros podres e almas ensanguentadas por tamanho arrotear e desacorrentar dos limbos caminhos do mal.
A propósito, estava eu em França, a descansar de um longo dia de trabalho e ouvi ou sonhei - visto que a segunda tarefa mais realizada pelos camionistas é pensar, repensar, voltar a pensar e pensar novamente – que um senhor lá dos cimos lugares da hierarquia da mediocridade fumava o seu cigarrinho num lugar proibido, ou mesmo que não fosse, pergunto eu de onde devia partir o exemplo supremo.
Enfim, inspecção e cuidado sim, mas deixem-me comer a minha bifana e enlambuzar-me na gordura dos óleos da tal frigideira fusca que açambarca sem nem dó nem piedade todas as febras fugitivas e desprotegidas.
Hoje fico-me por aqui pois a minha cama ambulante, confidente de tantas aventuras e longas jornadas, já aclama por a minha quente presença.
Até mais ver…

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